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Defensoria Púbica absolve Luiza Mahin em Júri Popular após 181 anos da Revolta dos Malês

23/11/2016 09:11 | Por tao_adm
Defensoria Púbica absolve Luiza Mahin em Júri Popular após 181 anos da Revolta dos Malês
Defensoria Púbica absolve Luiza Mahin em Júri Popular após 181 anos da Revolta dos Malês

Evento inaugurou a série Júri Simulado – Releitura do Direito na História e reuniu estudantes de Direito e de História, assim como militantes do movimento negro.

“Sim, sou um negro de cor. Meu irmão de minha cor. O que te peço é luta sim. Luta mais! Que a luta está no fim”. Foi assim, entoando as palavras de Wilson Simonal, que o defensor público Maurício Saporito, no papel de Juiz, proferiu a sentença que absolveu Luiza Mahin, em Júri Simulado organizado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, pelas acusações de conspiração contra a Coroa Portuguesa, em 1835.

O evento, que aconteceu na manhã desta quarta-feira, 23, no Teatro da Uneb, inaugurou o projeto piloto Júri Simulado – Releitura do Direito na História, uma série pensada pela Defensoria Pública com a proposta de garantir o resgate dos direitos de personagens da história popular que, à época, não puderam exercer a prerrogativa de todo acusado: o contraditório e a ampla defesa efetiva.

Interpretada pela atriz do Bando Teatro Olodum, Valdinéia Soriano, Luiza Mahin, sob o olhar ansioso e atento de 200 espectadores, foi levada a júri popular (escolhido por sorteio entre os presentes), e conseguiu, após 18 décadas da Revolta dos Malês, a absolvição por unanimidade dos jurados de todas as acusações. A sua defesa foi assegurada de forma emocionante pelo defensor público Raul Palmeira, em contraponto a uma acusação marcada pelo racismo da época, interpretada com maestria pela defensora pública Soraia Ramos. Ao defensor público e subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal Maurício Saporito, coube o papel de juiz.

(Confira as fotos no Flickr Defensoria Bahia )

JÚRI SIMULADO

Como parte das atividades desenvolvidas pela Defensoria em homenagem ao Novembro Negro, a personagem escolhida para a primeira edição deste evento foi a líder malê e mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama, Luiza Mahin, acusada, há 181 anos de crimes de conspiração e insurreição contra a coroa portuguesa, por conta do seu envolvimento na Revolta dos Malês.

O subdefensor público geral, Rafson Ximenes, coordenador do projeto de júris simulados, explicou a escolha: “nesse contexto a gente pensou em ter uma liderança do movimento negro e uma liderança do movimento de mulheres, diante disso, decidimos abordar a revolta dos malês e destacar um símbolo dessa revolta e das mulheres negras do estado da Bahia, Luiza Mahin, que é um personagem indiscutivelmente com uma história polêmica, cheia de controvérsias, mas muito representativa das mulheres e da população pobre baiana.”

Sobre a dinâmica, o defensor público Maurício Saporito, que interpretou o juiz, explicou que apesar de se tratar de um crime, a tentativa foi de simular um julgamento que deveria ter acontecido na época. “Como não temos todo o aparato judicial e usamos outro modelo de júri, adaptado para um júri atual, a dinâmica foi a que está no processo penal com algumas adaptações de tempo. É importante que fique claro que foi uma simulação, e não um teatro, e o resultado foi uma surpresa, dependeu dos jurados, tudo isso foi necessário para que se pudesse reproduzir um julgamento que teria acontecido”, destacou.

A atriz Valdineia Soriano disse ter ficado feliz com o convite para dar voz à Luíza Mahin, porém nervosa por interpretar uma mulher de representatividade tão forte e ainda por cima em um projeto piloto. Valdinéia explicou ainda um momento de choro durante o julgamento: “enquanto mulher negra, eu me senti tocada, houve momentos da acusação que parecia que aquela fala era para mim. E depois vem Raul com aquela defesa linda. Foi realmente emocionante. Um projeto que mexeu verdadeiramente comigo”.

O Defensor Geral do Estado da Bahia, Clériston Cavalcante de Macêdo, avaliou o evento como extremamente positivo. “É grandioso compreender a história do nosso povo e reinventar a nossa existência. A maneira como isso foi colocado pelos colegas, que coletaram de livros fragmentos da história, aqui e ali, realizando quase um trabalho de historiador, mostra o outro lado da história que as pessoas talvez não conheçam. Esse foi apenas o primeiro passo de uma série que se propõe a conhecer melhor e apresentar mais fidedignamente a participação histórica de heróis baianos e brasileiros”, afirmou.

A ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia, Vilma Reis, vê na absolvição de Luiza Mahin um dia de muita felicidade: “para todas nós que lutamos pelo direito, pelo acesso à justiça na Bahia e no Brasil, o que nós estamos fazendo é batalhando para que haja justiça e para que as pessoas que realmente lutaram pela liberdade, que elas sejam evidenciadas. Isso é para o nosso povo que está vivendo as mesmas angústias e humilhações que os nossos viveram no passado hoje possam ser reparados, principalmente no sistema de justiça”.

A série Júri simulado – releitura do Direito na História é um projeto dos defensores públicos Rafson Ximenes – subdefensor público geral do Estado, Raul Palmeira – que durante muitos anos atuou no Júri, e Eva Rodrigues – subcoordenadora da Especializada de Direitos Humanos.

O JÚRI NA VISÃO DO PÚBLICO

A secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial – Sepromi, Fábya Reis, afirmou que o julgamento promovido pela Defensoria teve uma importância fantástica para o movimento feminista negro. Em sua opinião, a iniciativa mostra todo esforço de movimento negro feminista, reafirmando a figura de Luiza Mahin.

A estudante de história na UFBA, Rebeca Benevides, foi uma das pessoas presentes na plateia de hoje. Para ela, um aspecto interessante do julgamento foi a forma como foram apresentados os discursos e interrogatórios, com respostas e argumentos que mesclavam passado e o presente, criando um cenário verossímil: “A gente acabou nem percebendo a movimentação de passado e presente, não aconteceu aquele incômodo anacrônico, especialmente quando o defensor Raul Palmeira lembrou que quem deveria estar ali, defendendo a mãe, deveria ser Luiz Gama. A Defensoria acertou em cheio”.

Outro exemplo sobre a mistura de tempos diferentes é que, durante o interrogatório, foi perguntado a “Luiza Mahin” quais eram as pessoas que frequentavam a sua casa. A resposta trouxe personagens do passado e do presente, entre eles, a militante da Rede de Mulheres Negras da Bahia e ex-ouvidora da Defensoria Tânia Palma, que estava assistindo ao julgamento. Tânia Palma comemora a iniciativa da Defensoria Pública enquanto uma ação de fim pedagógico e histórico que reconhece o protagonismo de mulheres negras, porém lembra: “é preciso trazer à luz o julgamento de Luiza Mahin dentro da perspectiva da atualidade no que representa o encarceramento da maioria da população negra hoje”.

O secretário do Conselho Superior da Defensoria Pública, Diogo de Castro Costa, foi um dos sorteados a compor o júri e para ele, a experiência foi bastante enriquecedora: “é muito importante que a Defensoria esteja à frente disso, já que ela defende as minorias. Foi tudo muito emocionante. É muito triste pensar que em outros tempos o resultado desse julgamento teria sido diferente”. PALESTRA

Depois de proferida a sentença, a plateia foi presenteada com uma palestra da educadora e secretária de Política para Mulheres, Olívia Santana. De acordo com ela a iniciativa da Defensoria foi inovadora: “Negros e negras sempre foram invisibilizados pela historiografia oficial, principalmente as mulheres negras. Há sempre vestígios, mas não uma documentação consistente que possa de fato registrar a nossa trajetória de resistência. É preciso ir mais fundo, pesquisar e oferecer ao público as informações sobre a nossa luta. Simular esse julgamento é beber direto da fonte da história e desenhar um futuro melhor para o nosso povo”.

Confira as fotos no Flickr Defensoria Bahia