Ainda consternados pelo luto, os familiares dos três jovens mortos durante uma ação da Polícia Militar na comunidade da Gamboa, em Salvador, participaram na última sexta-feira (4) de uma reunião de acolhimento na Casa de Direitos Humanos da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA). O encontro marcou o início do atendimento que será prestado pela instituição, através do Núcleo Amparo, que integra a Especializada de Direitos Humanos.
Entre as explicações sobre o papel da Defensoria, prestadas pelas defensoras públicas Eva Rodrigues e Lívia Almeida, que coordenam a Especializada de Direitos Humanos, o silêncio provocado pela dor das perdas ocorridas três dias antes daquele encontro dava espaço para um desabafo do sofrimento. “Eles não tinham o direito de fazer isso comigo e nem com mãe nenhuma. Não podiam ter tirado esse pedaço de mim. Isso tem me doído tanto”, externalizou a mãe de um dos jovens.
Por meio do Núcleo Amparo, a DPE/BA vai prestar atendimento a ela e as outras mães e familiares vitimadas pela atuação da PM na Gamboa. Além de prestar orientação e esclarecimentos acerca dos procedimentos e medidas adotadas para a investigação dos responsáveis pelo ocorrido, a instituição poderá acompanhar os familiares durante as oitivas em delegacia e atender outras demandas de acesso à justiça. Somente ao final do inquérito, a Defensoria pode acionar a Justiça com ações indenizatórias.
“O papel da Defensoria não é investigar, nós não temos essa atribuição. Nosso papel é de acolhimento e orientação. E, uma vez finalizado o inquérito policial, existe também a possibilidade de ingressarmos com um pedido de demandas indenizatórias. A Defensoria Pública representa o interesse de vocês, familiares, perante a justiça”, explicou a defensora pública Eva Rodrigues.
Além disso, há as demandas que não estão diretamente ligadas às mortes. Também coordenadora da Especializada de DH, a defensora pública Lívia Almeida destacou a importância de que o Estado se volte para atender às necessidades da comunidade que vão além da apuração e punição dos agentes envolvidos e da prevenção para que outros casos não aconteçam.
“Estamos falando de pessoas que estão com dificuldade para tirar uma certidão de nascimento, de fazer matrícula escolar, exames básicos. É nosso papel cobrar e acompanhar as instituições responsáveis pela investigação, mas também é nosso papel atender e fazer os encaminhamentos dessas outras demandas”, sinalizou.
Atendimento Psicossocial
O Núcleo de Atendimento Psicossocial (NAP) da Defensoria tem papel fundamental no processo de identificação das necessidades dos familiares. “Embora o nosso Núcleo não faça acompanhamento psicoterapêutico ou de terapia clínica, fazemos a escuta e acolhimento dessas pessoas que estão em sofrimento e, a partir desse contato, nós vamos compreender quais seriam as instituições mais adequadas para acompanhamento”, explica a psicóloga Vanina Miranda da Cruz.
Através do Núcleo, a Defensoria fará a interlocução com os serviços psicossociais existentes no município para garantir o suporte necessário aos familiares dos três jovens mortos na Gamboa. De acordo com a defensora Eva Rodrigues, uma das possibilidades é a de encaminhamento para benefícios assistenciais. “Muitas vezes, em se tratando de jovens, eles acabam sendo o arrimo de família, aquela pessoa que provê o sustento. A ideia é prestar um atendimento que vá além da demanda judicial”, explicou.
Luta por justiça
Além da reunião com a Defensoria, os familiares dos jovens mortos na Gamboa têm realizado uma verdadeira itinerância para garantir o esclarecimento do caso e punição dos responsáveis. Na quinta-feira, 3, eles participaram da reunião do Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos do Estado da Bahia – CEPDH e vão agendar uma reunião com o Ministério Público.
As iniciativas têm sido articuladas pela organização da sociedade civil IDEAS – Assessoria Popular, que também esteve presente da DPE/BA e destacou a importância da rede de cuidados que tem possibilitado aos familiares procurar os espaços de denúncia. “Essa rede tem esse poder de acionar o Estado a partir dos seus órgãos para fazer essa luta por justiça, que não é fácil e nem é rápida. Por isso, precisamos fazer caminhar o tempo da comunidade e o tempo da ação institucional”, pontuou o representante da ONG Wagner Moreira.
Durante a reunião do CEPDH, do qual a DPE/BA é membro, foram encaminhados pedidos para disponibilização dos laudos das mortes, acesso ao procedimento de investigação instaurado na Corregedoria e o envio de ofícios à Secretaria de Segurança Pública para garantir a segurança da comunidade. A DPE/BA, de maneira autônoma, vai reforçar os pedidos através de ofícios.
“A gente torce para que todas as medidas possam ser tomadas porque eles não podiam fazer isso com ninguém. A gente tá aqui lutando por justiça e, para isso, contamos com essa rede de apoio, com vocês”, assinalou a mãe de outro jovem que morreu.

DPE/BA participa de exibição do documentário no Cine MAM
“Enquanto associação, estamos lutando para proteger nossos corpos pretos. Queremos a punição dos responsáveis e que a Secretaria de Segurança Pública treine os policiais para proteger a sociedade e não para matar”, completou a presidenta da Associação de Moradores da Gamboa, Ana Caminha, que também esteve presente durante o encontro na Defensoria.
Sem Descanso
Neste domingo, 1, a Defensoria participou da exibição do documentário ‘Sem Descanso’, que conta a jornada de Sr. Jurandy para elucidar a morte do seu filho Geovane. O evento em protesto contra as mortes na Gamboa aconteceu na sala do cinema do Museu de Arte Moderna com objetivo de discutir, justamente, o tema do abuso e da violência em ações da polícia. Embora já tenha havido elucidação do crime, os policiais envolvidos ainda não foram levados a julgamento.
“Ambos os casos estão interligados, pois se tratam de abordagens equivocadas do Estado que geram reflexos gravíssimos na vida dessas famílias e de toda a comunidade. Então é importante que tenhamos uma resposta. Essas famílias já sofreram o pior que qualquer ser humano pode sofrer, que é a violação dos seus direitos, do direito à vida e direito à dignidade pelo próprio Estado”, frisou a defensora pública Lívia Almeida.