Fotos: Dedeco Macedo e Mateus Bonfim
A manhã do último dia da Semana da Defensoria, foi marcada por reflexões fundamentais sobre o papel da Defensoria Pública em um sistema penal que, historicamente, vigia, controla e pune corpos. Realizados no Gran Hotel Stella Maris, em Salvador, dois painéis destacaram os impactos da desigualdade racial e de gênero.
O primeiro painel, intitulado “Defensoria e Controle dos Corpos”, teve como foco as tecnologias punitivas e a constituição da delinquência no Brasil. O debate evidenciou como mecanismos institucionais, jurídicos e tecnológicos operam de forma seletiva na criminalização de determinados grupos sociais — especialmente jovens negros, periféricos e pobres.
Participaram como palestrantes o doutorando em Ciência Política Lucas Pilau (UFRGS) e a doutora e professora de Direito Alessandra Rapacci (UFBA). Já a mediação foi feita pela defensora pública Carolina Araújo e pelo defensor público Felipe Ferreira Santos.
“Chamam a atenção os números do aprisionamento como forma de punição no Brasil. Desde a década de 90, houve significativo crescimento, apesar dos esforços para criar medidas alternativas. Se considerarmos presos em celas e aqueles que cumprem prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico, obtemos 909 mil pessoas cumprindo pena no país, de acordo com o Sisdepen”, destacou Lucas Pilau.

Para Lucas, a DPE/BA exerce uma resistência institucionalizada frente às tecnologias punitivas. “É impossível refletir sobre o papel da Defensoria sem pensar nestes mecanismos. Afinal, está a serviço daqueles que enfrentam as mais básicas dificuldades de sustento. Ao contrário de repartições burocráticas estatais que possuem pouca proximidade com a realidade dos vulneráveis, a DPE está nas ruas, nos fóruns, nas Cortes Superiores, em ações de grande repercussão”, elogiou.
A professora Alessandra Rapacci colocou em evidência a expansão do Estado carcerário e o uso crescente do monitoramento eletrônico na Bahia. Segundo ela, a tornozeleira eletrônica costuma ser apresentada como um benefício — evitar o encarceramento e a superlotação, permitir convivência familiar e reduzir custos do sistema carcerário — , no entanto, tem sido aplicada de maneira indiscriminada, com base em fundamentos genéricos relacionados à ordem pública ou a uma suposta periculosidade, inclusive em casos que sequer justificariam medidas cautelares.
“Monitoramento é uma benesse ou uma punição? Ela se justifica por ser uma ‘liberdade’ que o indivíduo está adquirindo? Que liberdade é essa, a todo tempo vigiada, que o indivíduo precisa esperar 3h para carregar a tornozeleira, porque se frequentar certos lugares pode ser perseguido ou ameaçado de morte?”, questionou Alessandra.

Ao final das apresentações, foi lançada a nova Central de Defesa da Pessoa Monitorada Eletronicamente.
Racismo institucional e igualdade de gênero
No final da manhã, o segundo painel abordou o tema “Defensoria e Equidade de Raça e Gênero”, propondo uma análise crítica sobre o racismo institucional e a injustiça epistêmica.
O advogado e doutorando em Direito Cleifson Dias e a pós-doutora em Educação Mabel Freitas provocaram o público com reflexões sobre como o racismo estrutural molda decisões, condutas e políticas públicas. O debate teve mediação das defensoras públicas Mônica Antonieta e Isis Vasconcelos.

Na ocasião, Cleifson traçou um histórico do racismo no Brasil desde os séculos passados, correlacionando as interpretações sociopolíticas sobre racismo e escravidão ao pensamento atual. Para ele, o racismo é uma forma de consciência historicamente construída, uma equação que resulta de fenômenos racistas. Ele concluiu que não é possível haver racismo contra pessoas brancas.
A professora Mabel Freitas discutiu como a exclusão de saberes produzidos por sujeitos historicamente marginalizados contribui para a manutenção das desigualdades dentro das instituições. O painel ressaltou a necessidade de práticas institucionais que assegurem a diversidade racial e de gênero e reforcem o compromisso da Defensoria com a equidade.
De acordo com ela, o epistemicídio se constitui como um dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnico-racial, negando o conhecimento produzido por grupos historicamente oprimidos. “Quando abro a porta da minha casa, perguntam: ‘dona Mabel’ mora aqui? Esse é o tratamento do corpo preto que está em um local que comumente é visto como de pessoas brancas. O tempo todo o olhar sobre a gente é de desconfiança”, comentou.

“É bom olhar para a Defensoria e ver corpos negros trabalhando, na condição de coordenador, de diretor. (…) As instituições não estão preparadas para o nosso corpo. Desejo que a Defensoria se levante contra essas injustiças”, ressaltou Mabel.
Após a palestra, a defensora pública Laíssa Rocha, coordenadora executiva da DPE/BA na capital, anunciou a criação do Fórum Baiano de Juristas Negros pela Luta Antirracista da Defensoria Pública.
Os debates da manhã prepararam o terreno para as atividades da tarde, que seguiram mobilizando os(as) participantes em torno dos desafios contemporâneos do acesso à justiça com equidade, dignidade e compromisso social.
Não caia no golpe! O atendimento na Defensoria Pública é totalmente gratuito. A instituição nunca cobra pelos serviços prestados. Se alguém se passar pela DPE/BA e pedir dinheiro para atender ou resolver causas na justiça, é golpe! Denuncie!




