COMUNICAÇÃO

Saiba mais sobre os adolescentes assistidos pela DPE

23/05/2007 20:37 | Por

A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) foi a primeira instituição da área jurisdicional a declarar-se contra a redução da maioridade penal. Com o lema "Maioridade penal: a redução não é a solução", a campanha iniciou com um manifesto e já possui uma agenda positiva ainda para este semestre. Muitos dos motivos que levaram a esta posição estão expostos nesta entrevista exclusiva concedida pela subcoordenadora da Infância e da Adolescência, Maria Carmen Albuquerque Novaes.

A Defensora relata sua percepção no contato que tem com os adolescentes assistidos e aponta dados. Novaes atua junto à CASE (Centro de Atendimento Sócio-Educativo), aos conselhos tutelares e à 2ª Vara da Infância e da Adolescência. A Defensoria acompanha atualmente 5 mil processos criminais envolvendo crianças e adolescentes e 280 internos na CASE de Salvador. Além disso, responde por 99,9% dos processos envolvendo esta fatia populacional e 100% das execuções de medidas que são feitas em todo o Estado.


ASCOM - Qual o perfil dos adolescentes assistidos pela Defensoria na área infracional?


Maria Carmen - Nossos assistidos têm na faixa dos 14 aos 17 anos, 85% deles estudaram até a 4ª série primária e 14%, aproximadamente, até a 6ª série ginasial, mas 60% deles, quando chegam nas unidades, estão fora das salas de aula. As famílias de 90% deles têm renda de até dois salários mínimos. Em geral, os adolescentes ajudam na renda com o dinheiro arrecadado através de atividades que exercem informalmente, como ajudantes de pedreiro, vendedores ambulantes.


AS- Eles têm consciência de que agiram errado?


MC - Eles têm a consciência de que o ato infracional é comparado ao crime. Mas a consciência do que é certo e errado passa pela realidade deles, daquilo que é necessário ou não. Na maioria das vezes, o ato infracional surge de uma necessidade. Necessidade de comer e manter a família; necessidade de manutenção do vício da droga. De todos os casos, não a chega a 1% os crimes violentos, de atentados contra a vida. Apenas 5% envolvem crimes com violência, em que há uso de armamento e lesões. Cerca de 14% são ligados à droga, que por acaso, foi o ato infracional que apresentou maior crescimento entre adolescentes; nos últimos cinco anos, a incidência aumentou de 8% para 14%, ou seja, praticamente dobrou. Agora, a grande maioria dos casos, 81% deles, é relacionada a pequenos furtos e assaltos. Há outro dado interessante. No mínimo, 70% dos que são atendidos pelos Defensores têm histórico de envolvimento com drogas. E 99% dos que são apreendidos em situações ligadas ao comércio do entorpecente estão em companhia de adultos. Nunca estão sozinhos.

AS - Que papéis os adolescentes exercem no tráfico de drogas na Bahia?


MC - Eles são soldados. Avisam que a polícia está chegando. Mas sempre atuam dentro dos bairros; nunca ficam perto das escolas, área de atuação dos adultos.

AS - Qual a visão de futuro que estes jovens possuem? Eles falam sobre as expectativas de vida quando estão sendo atendidos pelos Defensores?

MC - Em geral, eles admitem o ato e desejam uma oportunidade de sair disso. Não sabem o que é ter projeto de vida nem sabem que têm direito a ter esta oportunidade. Não sabem o que querem porque não conhecem estas oportunidades. Se você perguntar "Você quer ser padeiro?". Eles dizem que sim; nem sabem o que é "ser padeiro", mas querem. Os adolescentes que praticam atos infracionais têm vontade de sair desta vida, mas não conhecem o potencial que têm.

Temos um caso de um adolescente do interior que praticou um homicídio relacionado ao uso de drogas. Ele é super inteligente, mas não pôde continuar cursando o 2º ano científico porque foi tirado do convívio familiar e está sob efeito de uma medida sócio-educativa, mas a CASE não oferece disciplinas para o 2º ano. Hoje, ele ajuda o professor de biologia nas aulas, mas quando é que vai fazer vestibular? Quando vai ingressar no mercado? Por que não está fazendo um curso profissionalizante? Por que antes de se reduzir a maioridade penal não se garante os direitos e oferece o que determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para sabermos se realmente está tudo errado? Não se pode falar que está errado o que nunca foi aplicado.


AS - Como é o índice de reincidência?

MC - Há uma falha no programa da rede de proteção. Quando o adolescente é liberado, não temos mais notícias dele, não sabemos em que condições vive, não há este controle. No universo de 400 processos, por exemplo, 10% dos adolescentes terminam no sistema prisional e 20% reitera na conduta infracional ligada a furtos e drogas.


AS - Como é a famílias destes adolescentes? Ela é conivente?


MC - Em geral, 60% dos pais são separados e as famílias são desestruturadas. Não chega nem a 1% a incidência de pais ou familiares que também têm vivência criminosa. Cerca de 50% das famílias sabem que o adolescente, independente da atividade legal, comete crime infracional. Começa a perceber, mas faz de conta que está tudo certo; é onde entra a necessidade.

AS - A internação é capaz de reinserir o adolescente?


MC - A internação é uma proposta sócio-pedagógica em que há a obrigatoriedade na participação em atividades educacionais, nos atendimentos psicosociais e de saúde. Em alguns casos realmente tem seu cabimento. Como com os adolescentes que, pela violência do ato, não têm condições de ficar onde vivem. Mas isto só funciona se houver este condão sócio-pedagócio, senão será apenas o cumprimento de uma pena. Como no sistema prisional, cuja reincidência é de 40%.

AS - O que a senhora acha dessa frase que inspirou o lema da campanha contra a redução da Defensoria: "Maioridade penal: a redução não é a solução"?

MC -A solução passa pela execução de Políticas Públicas voltadas para a adolescência. Em vez de se disponibilizar ampliação de alojamento, deveria se comprar mais carteiras para as salas de aula. Em de material para as oficinas profissionalizantes, melhor qualificação da mão de obra para viabilização destes cursos. Falta ao adolescente a assistência do Estado e da sociedade para que o desenvolvimento dele dentro do ambiente familiar. É o que prevê o ECA. Quem acha que jogar estes meninos e meninas no sistema vai melhorar desconhece a realidade.