COMUNICAÇÃO

Pedreiro morto no atentado da Estação Pirajá foi liberto em mutirão da Defensoria e já poderia estar solto há três meses

05/07/2022 10:30 | Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922
Diego autorizou e gravou vídeo para a Defensoria falando sobre a sua liberdade no mesmo dia do atentado

Diego Santos gravou vídeo contando como estava esquecido pelo sistema penal e agradecendo à Defensoria pela sua liberdade

A liberdade para Diego Santos de Souza parecia representar esperança. Vítima fatal do atentado que feriu outras sete pessoas na Estação Pirajá, em Salvador, e de um paradoxo que parece ter sido tirado de uma tragédia grega, ele faleceu segurando o seu alvará de soltura, pouco tempo após ganhar a liberdade.

Assistido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, Diego foi solto na sexta-feira, 1º de julho, no mesmo dia em que a instituição o atendeu no mutirão penal que realizou na Cadeia Pública, em Salvador, e que atendeu também cerca de 200 outros presos. Ele estava preso provisoriamente por violência doméstica.

Há três meses, Diego já havia adquirido o direito de sair da prisão para responder ao processo em liberdade, que corria na 3ª vara de violência doméstica de Salvador. Em vídeo gravado por defensores(as) que atenderam Diego, pouco antes de sair da Penitenciária, o assistido comemora a sua liberdade.

“Eu estava com o alvará na casa [na cadeia pública], só que não foi cumprido. Fiquei esquecido pelo sistema, mas graças a Deus, ao mutirão da Defensoria Pública da Bahia, conseguiram me localizar e me resgatar. Ninguém havia me chamado para dar a minha liberdade”, comentou Diego. Além dele, outras duas pessoas foram liberadas durante o atendimento.

Diego fala sobre sua liberdade

A defensora e coordenadora da Especializada Criminal e de Execução Penal, Fabíola Pacheco, que atendeu Diego, explicou que ele estava tranquilo na ocasião. “Estava alegre com a libertação. Eu ainda dei um sermão, em tom leve, dizendo para ele não ser mais violento com as mulheres, e ele disse: ‘Não, doutora, vou cuidar de meu filho. Eu sei que estava errado”, conta Fabíola.

Ela explica que ele não estava com medo e se mostrou arrependido. Ela frisou também que quando a Defensoria percebeu a irregularidade no processo de Diego buscou apurar a situação junto ao Centro de Registros e Controle – CRC. “A gente entrevista o preso, vê o processo, acessa o Siapen [sistema de informações penais], verifica pessoalmente no CRC. As pessoas não podem ficar presas quando deveriam estar soltas. Infelizmente, foi uma fatalidade que não tinha como prever”, lamenta Fabíola.

A Defensoria da Bahia informou que está acompanhando o desdobramento da situação e está integralmente disponível para acolher e dar suporte à família da vítima, por meio do Amparo, núcleo da Defensoria que auxilia vítimas e familiares de crimes violentos.

Nota da Defensoria

Em nota publicada nas redes sociais, a Defensoria lamenta a morte do assistido e também a situação das três mulheres e três homens feridos no atentado. Também criticou a forma como as pessoas estavam se referindo ao egresso do sistema penal. Informa que Diego não possuía antecedentes outros, que cumpria prisão provisória, e que ainda estava resguardado pelo princípio de presunção da inocência, participando do devido processo legal da ação.

“A gente vive um Tribunal de Exceção nas redes sociais. Em um minuto eles já conheceram o caso, já investigaram, já denunciaram e já até estabeleceram pena de morte”, critica Fabíola Pacheco.

“O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e toda medida que promova uma reintegração e desinstitucionalização deve ser implementada e incentivada. O sistema prisional estigmatiza e prejudica em muito a reinserção do preso à sociedade. Todo preso, como cidadão, lhe tem assegurado assistência jurídica, educação, segurança e alimentação, entre outros direitos, e a Defensoria Pública repudia os comentários depreciativos contra Diego. Esperamos o respeito à sua memória”, diz a nota da DPE/BA.

O vídeo de Diego expõe a realidade de pessoas que estão esquecidas no sistema prisional, apenas enquanto estão lá, e que quando saem são encontradas pela violência. Também mostra o preconceito, quando, em qualquer circunstância em que a pessoa sofra uma violência, é levantada a hipótese, sem nenhuma informação, de que ela deveria ter merecido aquilo ou que estaria envolvida com algo mais grave. É uma tentativa de justificar a violência sofrida, que é injustificável.

Realidade penal

A Polícia Civil ainda está investigando e esclarecendo o acontecido, e a pergunta que fica é: há liberdade com violência? A morte de Diego levanta o debate também sobre as situações irregulares de pessoas no sistema penal.

“É uma realidade brasileira e o monitoramento precisa ser bem feito para que não existam presos com pena já cumprida dentro das unidades, ou que já possuam alvará de soltura e ainda custodiadas, como no caso do Diego; ou, ainda, situações mais sistêmicas, como as progredidas ou sentenciadas no regime semiaberto e que continuam à espera de vagas em novas unidades”, comenta o defensor público coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal, Pedro Casali, que gravou o vídeo com o Diego.