COMUNICAÇÃO

No Julho das Pretas, Defensoria faz balanço sobre atuação em prol da igualdade racial

31/07/2020 18:45 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496
Fonte G1

DPE/BA promoveu debates ao vivo sobre construção de identidade, educação antirracista, desafios e conquistas das mulheres negras entre outros temas

O Julho das Pretas, uma agenda conjunta e propositiva voltada para o fortalecimento das organizações de mulheres negras, foi marcado por debates realizados pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA sobre construção identitária, desafios e conquistas das mulheres.

As programações também visaram celebrar o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha além de, especialmente no Brasil, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, celebrado em 25 de julho. Mesmo com a pauta racial em evidência durante todo o ano, a DPE/BA avaliou a programação dedicada ao tema especialmente neste mês.

A programação incluiu transmissões ao vivo no Instagram Defensoria Bahia sobre formas de luta e resistência das mulheres negras; os desafios de raça, gênero e classe enfrentados cotidianamente pelo sexo feminino; feminicídios enquanto crime de ódio; desrespeito ás religiões de matrizes africanas; além do mito do racismo reverso (esta ainda no final de junho).

No YouTube também foram colocadas em pauta discussões sobre a educação antirracista desde a infância e construção de identidade negra. A programação incluiu ainda rodas de conversa sobre a existência e ascensão de mulheres negras ao poder além do direito à cidade a partir de políticas públicas antirracistas.

Coordenadora-adjunta do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial, a defensora pública Vanessa Nunes Lopes afirma que os debates promovidos pela DPE/BA tratam de um verdadeiro trabalho de educação em direitos, que visa transformar mentalidades e que é necessário para o real enfrentamento ao racismo. Para a defensora, falar sobre raça convoca a sociedade a repensar não apenas a negritude, mas questionar também a própria branquitude.

“A sociedade brasileira passou muitos anos absorvendo conteúdos negativos ou equivocados sobre a ideia de raça. Como resultado disso, até hoje há quem acredite que o Brasil é uma democracia racial, pensamento esse que serve para apagar a necessidade de políticas públicas de correção de injustiças e violências que pesam contra a população negra do país. Por isso, o destaque que a questão racial vem recebendo na Defensoria da Bahia é motivo de alegria para nós”, comenta.

Na Instituição, o Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial foi criado em novembro de 2019 visando atuar em eixos como encarceramento em massa, quilombos, catadores de material reciclável (este em parceria com o Núcleo de Gestão Ambiental – Nugam DPE/BA). Também estava prevista a educação em direitos com foco em oficinas de multiplicadores, proposição de normativa interna para uma política de combate ao racismo institucional, criação de protocolos para atendimento de casos de racismo, produção de cartilhas de direitos, entre outras ações.

Sobre a atuação junto às comunidades quilombolas, a Defensoria elaborou uma força-tarefa específica para atender a este segmento da população em maio de 2020. Dos 178 municípios com quilombos na Bahia, a DPE/BA possui atuação em 44 deles e, através da força-tarefa, as recomendações também alcançaram 134 municípios que ainda não contam com a abrangência da Instituição. Em relatório, verificou-se que, das 171 recomendações sobre a adoção de medidas de saúde e assistência enviadas, 59 tiveram retorno das Prefeituras das cidades onde há territórios quilombolas.

Vanessa Nunes Lopes destaca que a criação do GT pela Igualdade Racial foi um grande passo para discutir e propor ações em prol da igualdade racial, mas a Defensoria também desenvolvia iniciativas anteriores sobre o tema. Uma destas foi a realização do último concurso para defensor público com vagas reservadas para negros, além do processo seletivo simplificado para a contratação de servidores em Regime Especial de Direito Administrativo – REDA, que também adotou a medida.

“Acredito que a Defensoria da Bahia construiu uma abertura para enfrentar a pauta racial que é muito relevante. Nosso trabalho agora é dar continuidade à construção, aproveitando esse espaço para dar o destaque e a centralidade que a questão racial precisa ter para que nossa sociedade seja transformada e, de fato, o acesso à Justiça seja efetivo”, complementou a defensora pública.

Em termos de comunicação, a pauta antirracista foi tema de, pelo menos, 89 matérias divulgadas no site da DPE/BA, entre releases e coberturas de programações da Instituição. Entre janeiro de 2018 e julho de 2020, houve quase 80 iniciativas, que incluíram ações, eventos, cursos e palestras – entre elas o lançamento de um manifesto em defesa da cultura afro e a criação de uma campanha do Carnaval 2020 de Salvador voltada para defesa dos blocos afro e afoxés baianos. As iniciativas também foram pulverizadas nas redes sociais, por meio de cards comemorativos, divulgações e coberturas de eventos, além de postagens educativas e informativas.

Debate antirracista e antimachista

Para a ouvidora-geral da Defensoria, Sirlene Assis, criar uma agenda positiva para o Julho das Pretas trata-se de celebrar a luta e a resistência dessas mulheres. “É uma homenagem a todas as mulheres negras que nos antecederam e que virão depois de nós. É o momento em que a sociedade intensifica o debate sobre politicas públicas antirracistas e antimachistas. É construir uma sociedade que de fato inclua essas mulheres com dignidade, onde seus direitos sejam preservados”, reflete.

Gestora de um órgão da DPE/BA, que é historicamente comandado por mulheres negras (a exemplo das antecessoras Vilma Reis, Tânia Palma e Anhamona de Brito), Sirlene Assis destaca que tal característica revela-se um diferencial para a atuação da Instituição não apenas entre as Defensorias, mas também entre as Ouvidorias do poder público.

“Há uma ampliação do debate sobre as pautas raciais, uma vez que as ouvidoras têm amplo contato com os movimentos sociais, que dão o tom do trabalho do órgão e apresentam as demandas da população tanto na capital quanto no interior do estado. A presença das mulheres negras na gestão da Ouvidoria também é importante para o movimento feminista negro da Bahia, que tem discutido a dimensão da ocupação das mulheres negras nos espaços de poder”, explica Sirlene.

A ouvidora finaliza destacando a relevância do trabalho desenvolvido pela comunicação da Defensoria e afirma que as discussões raciais deveriam ser uma pauta comum em todas as instituições. “O racismo estrutura a sociedade capitalista. Não dá para pensar em acesso a Justiça e políticas públicas sem pensar sobre a pauta racial que está entrelaçada às questões de classe e gênero e, por este motivo, é importante discutir estes pontos também”, finalizou.

Garantias de representação

Presidenta Nacional da União dos Negros pela Igualdade – Unegro, Ângela Guimarães observa que, em carreiras mais prestigiadas socialmente, melhor remuneradas e que concentram poder são onde se verifica a maior ausência de mulheres negras pelas barreiras históricas do racismo e do machismo.

“A transformação desta realidade demanda uma ampla discussão pública, mas também a efetivação de medidas para a superação desta questão. Políticas de cotas para ingresso no serviço público, mas também que assegurem as progressões nas carreiras, são fundamentais para garantir que a maioria da população tenha representação em todos os segmentos, carreiras e espaços sociais, sobretudo aqueles de maior prestígio social”, analisa.

Ângela Guimarães também destaca que o Julho das Pretas, por meio dos movimentos de mulheres negras da América Latina e do Caribe, gera grande mobilização, a nível global, das pautas antirracistas e antimachistas.

“Apesar das opressões, evidenciar o papel estratégico das mulheres negras na construção das sociedades, liderando processos de resistência cotidianos, é fundamental assim como o é exigir políticas públicas que assegurem o nosso direito a uma vida livre de violência doméstica e do Estado, em busca da inclusão no mundo do trabalho, com equiparação salarial, e na disputa de espaços de representação política com igualdade”, finaliza a presidenta da Unegro.