COMUNICAÇÃO

Projeto da Defensoria na colônia penal propõe responsabilização e reparação como meios de fazer justiça

02/09/2023 10:00 | Por Rafaela Dultra DRT/BA 6990

No Lafayette Coutinho, o curso Agentes Transformadores tratou sobre aspectos teóricos e práticos da Justiça Restaurativa a fim de reinserir os apenados na sociedade

Originária de práticas ancestrais, principalmente em comunidades onde o interesse coletivo se sobrepõe ao individual, a Justiça Restaurativa ainda é uma técnica pouco difundida no Brasil. Na contramão do punitivismo, que impera no sistema penal brasileiro, ela propõe a responsabilização dos indivíduos infratores e a reparação dos danos causados pelo crime como medidas alternativas à aplicação de sanções.

O projeto Justiça Restaurativa no Cárcere, da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), busca desafiar essa lógica, expandindo a prática para ocupar espaços em processos que abranjam a criminalidade estereotipada, impactando no hiperencarceramento no estado. Na Colônia Penal Lafayete Coutinho, onde os apenados respondem, em sua maioria, a processos envolvendo crimes patrimoniais e tráfico de drogas, os reeducandos realizaram diversas dinâmicas para repensar as relações que foram quebradas com as infrações, como grupos de trabalho sobre empatia, aulas de Comunicação não Violenta (CNV) e Círculos de Construção de Paz.

Nos últimos dias 28 e 29 de agosto, a defensora Liana Conceição, titular da Colônia Penal Lafayete Coutinho, além da analista de Direito Camilla Bastos de Cerqueira, alinhadas com a equipe da assistência social/setor educacional e de segurança do local, intensificaram a escuta aos penitentes e reuniram os presos com habilidades de cooperação e possibilidade de replicar os conhecimentos/práticas da justiça restaurativa na própria colônia penal, bem como verificou, dentre esses apenados referidos, a regularidade do seu cumprimento da pena e a previsão de benefícios, realizando também encaminhamentos de questões extrajudiciais aos setores psicossocial e de saúde da CLC.

“É preciso ter um olhar humanitário, incentivar o penitente a buscar o seu aprimoramento e a conscientização como sujeito de direitos e deveres. E esse curso os motivou nesse sentido, despertou nos mesmos a capacidade/competência de construir as suas próprias propostas e as soluções adequadas (e integradas ao coletivo) a cada situação problema”, pontuou Liana, que também faz parte do grupo de trabalho.

Longe de ser uma forma de não punir as graves violações de direitos humanos, a Justiça Restaurativa tem o objetivo de oportunizar a reinserção dos participantes no ambiente familiar, de trabalho e em toda comunidade, ao mesmo tempo que busca aumentar o senso de responsabilização dos infratores. É justamente o que sustenta a defensora pública Andréa Tourinho, coordenadora e idealizadora da iniciativa, em parceria com a equipe de professores Elaine Angélica Costa de Jesus, Isabel Cristina Santana da Silva, Rosanete Fernandes e Ciro Mato Grosso, formados na área pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

“O trabalho da Defensoria é muito importante nesse sentido, pois tem o objetivo de estimular o diálogo e semear a paz. Foi uma oportunidade deles se expressarem e falarem sobre suas experiências”, diz Tourinho, acrescentando que pretende levar o projeto a outras unidades prisionais, incluindo as femininas. “A Justiça Restaurativa é uma justiça para o futuro, levando em consideração a responsabilização e o que será feito daqui por diante, após o crime, daí ser de suma importância para a ressocialização”, completa.

A professora Rosanete Fernandes destaca a recepção positiva dos apenados no curso e a possibilidade de impacto na sociedade pelo conhecimento adquirido. “Queremos que [o preso] chegue na comunidade com um novo olhar, enxergando que existe um mundo fora da criminalidade. E que, com isso, a comunidade também tenha um novo olhar sobre ele”, ressalta.
Já Ciro Mato Grosso, facilitador do Observatório da Pacificação, relatou que o teor de ressocialização na mentalidade dos alunos foi muito evidente com a prática de mediação simulada: “Todos os acordos que foram feitos na mediação tiveram como perspectiva de mudança a criação de oportunidades, como a possibilidade de emprego para o ofensor”.

Parceiro da iniciativa, o Observatório da Pacificação é um programa de extensão da Universidade Federal da Bahia que trabalha com Meios Adequados de Resolução de Controvérsias (MARCs). O primeiro encontro na CLC sobre o curso de Justiça Restaurativa ocorreu em maio deste ano. Na ocasião, as defensoras Liana Conceição e Andréa Tourinho falaram sobre atividades educacionais para a efetiva reinserção social, além da importância dos agentes transformadores.

O último encontro contou ainda com a presença da Coordenadora Criminal Alexandra Soares, além das defensoras Liana Conceição, Andrea Tourinho, dos professores Elaine Angélica Costa de Jesus, Isabel Cristina Santana da Silva, Rosanete Fernandes, Ciro Mato Grosso, o Diretor do estabelecimento penal, Marcelo Neri, da analista de Direito Camilla Bastos e de profissionais do Escritório Social da Bahia e do Conselho da Comunidade.

Além das práticas, também foram tratados aspectos teóricos da Justiça Restaurativa como forma de educação em direitos. Ao todo, o curso totalizou 15 horas, fora o tempo destinado às leituras complementares sobre o tema, que serão utilizadas para diminuição da pena. A possibilidade de remição pelo estudo está prevista na Lei 12.433/2011, e o Provimento Conjunto Nº CGJ/CCI-12/2022 enumera os grupos de justiça restaurativa como uma das práticas sociais educativas de direito.