COMUNICAÇÃO

Mapa sobre ações afirmativas nas Defensorias é lançado em Seminário que refletiu inserção de negros e indígenas nas Instituições

16/02/2022 19:26 | Por Júlio Reis DRT/BA 3352 | Fotos: Ailton Sena

Evento reuniu, na capital baiana, representantes das Defensorias Públicas de todo o país.

São 24 os estados do Brasil onde estão estabelecidas políticas de cotas para ingresso na carreira de defensor(a) público(a). O dado demonstra a quase completa adoção do instrumento pela Instituição no país e faz parte do Mapa das Ações Afirmativas das Defensorias Públicas lançado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) no âmbito de seu 1º Seminário sobre Cotas Raciais nas Defensorias Públicas: por uma sociedade antirracista.

O  evento ocorreu durante toda esta quarta-feira, 16, na Escola Superior da DPE/BA debatendo em mesas temáticas assuntos como a relevância das cotas no alargamento dos processos democráticos e de justiça e o enfrentamento dos órgãos públicos às fraudes nestes processos. A íntegra do evento em suas quatro mesas pode ser conferida no canal do Youtube da DPE/BA.

Para o defensor público geral da Bahia, Rafson Ximenes, o seminário celebrou uma posição histórica de enfrentamento ao racismo que as Defensorias vêm assumindo em todo Brasil. “O objetivo é compartilhar experiências com vistas ao aperfeiçoamento das políticas afirmativas e que, também por meio da luta que realizamos cotidianamente, a Instituição Defensoria Pública siga como referência de combate ao racismo”, pontuou Ximenes.

Com a presença de representantes de mais de 20 Defensorias Públicas Estaduais do Brasil, o Seminário buscou refletir, a partir da adoção das cotas, sobre estratégias para inserção de negros, indígenas e quilombolas na institucionalidade brasileira.

Integrando uma das mesas de debate, a socióloga, ativista do movimento negro e ex-ouvidora geral da DPE/BA, Vilma Reis, apontou que várias instituições públicas, desde 2002, já implementam as cotas para mudar a fotografia do serviço público brasileiro. “No Sistema de Justiça, no entanto, ainda há um grande avanço a ser realizado. Nós estamos falando, por exemplo, de um universo de cerca de 18 mil juízes com menos de 3% de negros e negras”, acrescentou. 

Já a atual ouvidora-geral da Defensoria baiana, Sirlene Assis, que compôs a mesa de abertura do evento, destacou que para além da adoção das cotas é preciso que os cotistas ocupem espaços de deliberação. “As instituições são racistas porque o racismo é estrutural. Construir uma instituição antirracista é muito mais do que ter cotas, é ter negros, indígenas e ciganos ocupando cargos de direção, coordenação, é mudar a concepções dentro da Instituição em todos os seus níveis”, defendeu.

Presente ao seminário, o defensor público geral do Rio de Janeiro, Rodrigo Pacheco, apontou o caráter inédito do evento que classificou como fundamental.  “Trouxe uma pesquisa que fez um ‘raio x’ da política de cotas nas Defensorias do Brasil e permitiu um compartilhamento de práticas exitosas nesta questão. Principalmente reuniu defensores-gerais para assumir o compromisso com as cotas no serviço público, em especial nas próprias Defensorias”, sintetizou.

Também presente ao momento, a presidente da Associação Nacional dos Defensores e Defensoras Públicas (Anadep), Rivana Ricarte, defendeu a necessidade das Defensorias serem espaços plurais em si mesmas, ou seja, a partir de sua própria composição. 

Já o defensor público geral do Amazonas, Ricardo Paiva, apontou que as Defensorias devem “fazer o dever de casa” e dar o exemplo. “No Amazonas recentemente conseguimos avançar e estamos no meio do primeiro concurso público para a carreira que está observando a lei de cotas [30% para negros, indígenas e quilombolas]”, comemorou.  

Um dos temas debatidos durante o seminário foi a banca de heteroidentificação (reconhecimento do outro), utilizada para dar mais lisura ao processo de investidura nos cargos. Se afirmando fruto da política de cotas da DPE/BA, a defensora pública baiana e coordenadora da Comissão Temática da Igualdade Étnico-Racial da Anadep, Clarissa Verena, defendeu o procedimento. 

Além disso, Verena pediu empenho dos gestores das Defensorias na implementação e efetivação de cotas. “As sementes que são plantadas hoje podem não dar frutos imediatos, mas quando eles derem frutos, porque isso certamente ocorrerá, os efeitos das políticas que forem construídas hoje, estes feitos jamais serão esquecidos”, apontou.

Dados Mapa das Ações Afirmativas 

Nas 24 unidades federativas do Brasil [composta por 27 unidades] onde as Defensorias aplicam a política de cotas, o Mapa delineou que em 15 delas o percentual estabelecido para os cargos de cotas é de 20%, em 3 estados o percentual é de 10% e em 6 estados, entre eles a Bahia, é de 30%.

Já quanto a reserva de vagas para indígenas e negros é distinta ou conjunta, 16 estados apontaram que não há concorrência entre negros e indígenas em suas ações afirmativas, enquanto em 8 deles há concorrência mista. Já no que se refere a existência de reserva de vagas específicas para a população quilombola, apenas 4 estados informaram existir percentual específico para esta população.

Apesar da instituição da política afirmativa de reserva de vagas estar presente em 24 estados, 5 deles ainda não realizaram nenhum concurso após esta previsão ter sido estabelecida. Todos os 24 estados que adotam as políticas de cotas adotam também critérios especiais para a ordem de convocação, o que garante a proporcionalidade entre cotistas e não cotistas durante as nomeações. 

Com diversos outros dados e estatísticas, em suas considerações finais, o Mapa de ações afirmativas aponta que presença das pessoas cotistas nas Defensorias Públicas “traz não apenas para o interior da instituição, mas também para dentro do Sistema de Justiça, as suas visões de mundo, as suas vivências e as suas experiências ancestrais, provocando uma expansão de pontos de vista, oxigenação de compreensões, dinamização de práticas e engajamento na responsabilidade de combater os problemas que causaram  a marginalização e a segregação dos grupos dos quais advieram os contemplados pela política de cotas”.

Carta da Bahia
Durante o encerramento do Seminário, os representantes das Defensorias assinaram uma carta selando acordo pelo avanço de políticas afirmativas de cotas raciais nos próximos concursos e processos seletivos institucionais.  A carta estabelece o compromisso das Defensorias Públicas Estaduais implementarem a política afirmativa de cotas para grupos socialmente vulnerabilizados, especialmente negros, indígenas e quilombolas, em todos os concursos e processos seletivos institucionais que vierem a realizar.

O documento, batizado de Carta da Bahia, pactua também fomentar o desenvolvimento de programas que promovam, por meio da concessão de bolsas de estudos, a qualificação de candidatos(as) pretos(as), pardos(as) e indígenas(as), oriundos(as) de comunidades tradicionais em geral e pessoas com deficiência; estipular percentual de vagas reservadas em patamar consentâneo com regras de proporcionalidade e representatividade; adotar todas as providências necessárias para implementar o critério de heteroidentificação em acréscimo ao critério de autodeclaração; adotar medidas para aumentar a possibilidade de as políticas afirmativas resultarem efetivamente no aumento do número de aprovados(as) dentro de cada grupo; dentre outras.

Assista ao Seminário na íntegra aqui.