COMUNICAÇÃO

Júri Simulado absolve simbolicamente heroínas da independência e retoma o protagonismo feminino na história

06/07/2023 17:46 | Por Priscilla Dibai / 2.389 DRT/BA
Foto: Mateus Medina / Ascom

Atividade da Defensoria remonta a narrativa patriarcal e redefine a Independência da Bahia, reforçando a importância histórica de Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa. Evento lotou o auditório da Faculdade de Direito da Ufba

Sempre é tempo para reparar, relembrar e exaltar a luta das mulheres hostilizadas e invisibilizadas pelas estruturas do poder dominantes. Esse foi o tema da 11ª edição do Júri Simulado, promovido pela Defensoria Pública do Estado (DPE/BA), que absolveu simbolicamente as heroínas da Independência da Bahia – Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa -, em atividade realizada na manhã desta quinta-feira (06), no auditório Raul Chaves, na faculdade de Direito da UFBA.

O evento, que propõe uma releitura do direito nos tribunais de júri, mobilizou um tema de muita relevância histórica para a sociedade: a importância das lutas femininas, inclusive no espaço da política, por liberdade e direitos, além do processo de apagamento histórico e destituição de suas respectivas relevâncias na história da independência pelo poder estatal, patriarcal e pela hegemonia branca e católica fundantes, todas donas das narrativas antigas e elitistas. 

Sob pena de traição, as três mulheres que fizeram parte da luta pela independência foram acusadas de lesa majestade e crime contra a coroa portuguesa. A acusação, representada pela defensora pública Juliane Andrade, convocou valores e leis vigentes (de matriz absolutista e ultraconservadora) para construir as rés como ameaças à ordem constituída, estereotipadas como desordeiras e arruaceiras. Juliane precisou encarnar um personagem quase caricato, com discursos  racistas, preconceituosos e patriarcais. 

A defesa, por outro lado, representada pelas defensoras públicas Gabriela Andrade, Flávia Apolônio e Letícia Peçanha, pediu a inocência das heroínas, por ausência de conduta criminosa e pelo viés justificável da guerra: a luta pela liberdade. Em suas intervenções, as defensoras focaram na necessidade de reconstruir as imagens, papéis e relevância dessas mulheres perante a história e a sociedade, problematizando a própria ideia de ordem e seus sistemas legal, cultural e simbólico, que excluíam mulheres, negros(as) e pobres. 

As defensoras lembraram que não foi D. Pedro I, nas margens do Rio Ipiranga, quem edificou a independência brasileira, mas o movimento popular baiano, historicamente silenciado. Elas alertaram que a resistência era o único caminho diante da opressão e do martírio impostos pelos colonizadores que, infelizmente, detinham o poder de ditar e construir a verdade, tornando sua versão como única e legítima.

Ao final do júri, para frenesi da plateia, o julgador, representado pelo defensor público Rafson Ximenes, anunciou a absolvição, por quatro votos a zero. A defensora pública geral, Firmiane Venâncio, destacou que a luta das três pioneiras da Independência inspirou e contribuiu para os avanços femininos na sociedade e destacou que, na Defensoria, as mulheres são maioria, tanto na carreira quanto na composição da atual diretoria. “Para nós, é muito importante a luta por igualdade e emancipação da mulher”, ressaltou.

O diretor da faculdade de Direito da Ufba, Júlio Rocha, afirmou que ficou muito emocionado com o evento e parabenizou a Defensoria pelo trabalho desenvolvido junto à sociedade. “Eu sou professor de História do Direito e fiquei muito comovido com as intervenções. A Defensoria tem um papel importantíssimo na construção da cidadania e é por meio da cidadania que a gente edifica possibilidades e fortalece direitos”. 

 Roda de conversa

Após o Júri Simulado, foi realizada uma roda de conversa com a professora de Direito Processual Penal da Ufba, Thaize de Carvalho, e o professor de história, humorista e influencer, Matheus Buente, muito conhecido pelos vídeos que faz nas redes sociais, recontado eventos históricos, em linguagem simples e de forma irreverente. “Não precisamos repetir a intelectualidade europeia para formar nossa história. Podemos desconstruir e convocar nossa ancestralidade para enxergar outros protagonistas e versões”, combateu Buentes.

Estudante do Colégio Estadual Manoel Novaes, Guilherme Soares, de 17 anos, foi um dos jurados no evento e considerou a experiência incrível, principalmente porque pensa em cursar Direito, ao fim do ensino médio. “Saber a verdade da história é muito importante. Eu me identifiquei muito com a fala das defensoras, sobretudo a que defendeu Maria Felipa, que me representa muito”. 

Essa edição do Júri, realizada exatamente no mês e ano do bicentenário da Independência da Bahia, comemorado no dia 2 de Julho, contou com a presença de estudantes de nível médio e superior, autoridades, professores, advogados, defensores e servidores da Defensoria. 

Estiveram presentes representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Academia de Letras Jurídicas da Bahia, Instituto Baiano de Direito Processual Penal, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil (Polícia Técnica) e Guarda Municipal. Também participaram representantes das secretarias estaduais da Mulher, da Educação e Cultura, além de docentes das universidades do Estado da Bahia (Uneb) e Católica do Salvador (Ucsal).

A atividade foi transmitida ao vivo pelo Youtube e está disponível no canal da Defensoria.

O júri simulado

A série “Júri Simulado – Releitura do Direito na História”, é realizada pela Defensoria da Bahia desde 2016, e se propõe a resgatar a trajetória de personagens que fizeram parte da história local, regional e nacional, dando a eles o direito de exercer a prerrogativa legal e constitucional de todo acusado: o contraditório e à ampla defesa.

De autoria dos defensores Rafson Ximenes, Raul Palmeira (in memoriam) e da defensora Eva Rodrigues, o projeto já levou ao banco dos réus nomes como Luiza Mahin (2016), Zumbi dos Palmares (2017), Índio Caboclo Marcelino (2018), Lei Áurea (2018), Cuíca de Santo Amaro (2018), Carlos Marighella (2019), Lucas da Feira (2019), Manuel Faustino – Revolta de Búzios (2019), a Lei de Cotas (2021) e a Greve Negra (2022).