COMUNICAÇÃO

Fortalecimento das Defensorias brasileiras é fundamental para combater e reparar violações, aponta relatório da Comissão de Direitos Humanos da OEA

11/03/2021 12:49 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352 | Foto: Observatório do Terceiro Setor

Documento traça um detalhado diagnóstico sobre o cenário de violações e violências no país e aponta que Defensorias brasileiras são essenciais para garantir cumprimento de direitos

Para efetivar garantias legais e o acesso à justiça no Brasil é essencial fortalecer as Defensorias Públicas. Essa é uma das indicações do mais recente relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – CIDH/OEA.

Traçando um detalhado diagnóstico sobre o cenário de violações e violências no país, o documento intitulado “A situação dos Direitos Humanos no Brasil” aponta para a profunda conexão entre o panorama registrado com processos históricos de discriminação e desigualdade socioeconômica estrutural.

Com cerca de 200 páginas, o documento é organizado por capítulos e tópicos que constroem um painel das coações e injustiças praticadas contra diversos grupos entre os quais estão povos indígenas, comunidades quilombolas, trabalhadores rurais, pessoas sem-terra e sem-teto, mulheres, negros, pessoas em condição análoga à escravidão, migrantes, pessoas LGBTI, presos e pessoas com deficiência.

O relatório traz também dados, considerações e recomendações sobre questões de segurança pública, violência policial e de outros agentes de estado, impunidade quanto à violações de direitos, crimes contra ativistas e defensores dos direitos humanos, ameaças à liberdade de expressão, controle de armas e avanços e desafios da institucionalidade democrática brasileira.

De acordo com o defensor público geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Rafson Ximenes, é importante fortalecer o sistema defensorial porque é ele que permite que as pessoas com menos recursos financeiros não estejam desprovidas de assistência jurídica profissional e ofertada institucionalmente.

“A ausência do sistema impede que as pessoas em situação de pobreza questionem o descumprimento até mesmo de direitos primordiais. Essas pessoas se encontram sem voz e obviamente isso se agrava quando se trata de pertencentes à minorias, grupos historicamente vulneráveis e aquelas que se encontram em posições contramajoritárias na sociedade. Enquanto não há uma Instituição para a qual recorrer, elas estão desprotegidas. As Defensorias são essenciais para que as pessoas possam enfrentar as violações que lhes ocorrem”, Rafson Ximenes.

As Defensorias

Produzido principalmente com base em inspeções, entrevistas e investigações realizadas pelo conjunto da Comissão em visita ao Brasil em novembro de 2018, o relatório é a primeira peça da OEA (organização internacional que reúne 35 países do continente americano, entre elas o Brasil) sobre o ambiente dos Direitos Humanos no país desde 1997.

Ao discorrer sobre a impunidade no Brasil, o documento publicado em fevereiro deste ano, observa que faltam defensores públicos em número suficiente no território brasileiro. O relatório aponta que a Comissão foi notificada de que há dados que dão conta da “falta de 10 mil defensores públicos no país, o que reflete no exercício do acesso à justiça de vítimas e seus familiares e também na composição socioeconômica e racial da população carcerária”.

A Comissão destaca ainda que o fortalecimento das defensorias públicas, tanto da União como Estaduais, também ampliaria o direito à reparação financeira de famílias vítimas de violações, uma vez ações judiciais deste tipo “são prejudicadas pela falta de acesso à justiça e denegação de justiça por meio da demora ou arquivamento das investigações”, aponta.

Entre as recomendações para implementação e avaliação de políticas públicas com foco em direitos humanos, o relatório indica que para o acesso pleno e livre à justiça por parte de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade é necessário outorgar “orçamento específico tanto à Defensoria Pública da União quanto às Defensorias Estaduais”.

Ainda para Rafson Ximenes, as recomendações da Comissão são importantes porque “sinalizam que o papel das Defensorias não é uma questão menor ou local, é uma questão global e necessária para garantir a efetivação dos requisitos mínimos para a vida digna dos seres humanos”.

Presos e sistema carcerário

Um dos tópicos de maior relevo do documento é a situação das violações contra pessoas em privação de liberdade. Destacando que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 750 mil presos, uma taxa de superlotação acima de 170% e um crescimento nos últimos 20 anos de mais de 224% de presos, a Comissão diz observar “com extrema preocupação a predominância de pessoas afrodescendentes no sistema penitenciário, que constituem 65,9% do total desta população”.

Além disso, assinalando que 30% da população carcerária é mantida presa em condição provisória [sem condenação transitada em julgado], o documento afirma que estes números revelam que a prisão provisória aqui é “claramente aplicada de maneira contrária ao seu caráter excepcional” e que não vem sendo limitada “pelo direito à presunção de inocência, além dos princípios de excepcionalidade, legalidade, necessidade e proporcionalidade”.

Mesmo destacando avanços recentes como a adoção das audiências de custódia e a incorporação da perspectiva de gênero na aplicação de medidas alternativas, o documento destaca que políticas criminais que apostam no encarceramento como solução para a insegurança e a defesa jurídica inadequada permanecem como desafios para que “a política criminal e penitenciária brasileira esteja em plena sintonia com os parâmetros internacionais de direitos humanos”.