COMUNICAÇÃO

Esqueceram de mim: Liberdade na Estrada em Feira de Santana combate irregularidades de prisões provisórias

28/10/2023 19:17 | Por por Rafaela Dultra DRT/BA 6990/ Foto: Dedeco Macedo

Dos dias 23 a 27 de outubro, projeto da Defensori atendeu 410 pessoas custodiadas, entre homens e mulheres. Com a passagem pela Princesinha do Sertão, iniciativa ultrapassa marca dos 2 mil atendimentos este ano.

“Reconheço que errei e vou pagar pelo meu erro, mas quero meus direitos. Vou recomeçar minha vida, só quero ser um pouco lembrado dentro desse lugar, porque aqui dentro somos esquecidos”. A declaração de Jonas P.*, preso provisório no Conjunto Penal de Feira de Santana (CPFS), representa a angústia de grande parte dos custodiados no sistema carcerário. O interno foi atendido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) no mutirão do Liberdade na Estrada, que ocorreu entre os dias 23 e 27 de outubro.

Segundo a defensora pública Manuela Passos, ‘esquecido’ é a palavra que os presos mais usam para descrever como se sentem. “Muitas vezes, o atendimento da Defensoria apenas para prestar informações já traz um acolhimento muito grande para a pessoa privada de liberdade”, avalia a titular da 2ª Vara Crime no município, que conta ter atendido um custodiado com um alvará de soltura nos autos há dois anos, sem cumprimento. “São muitas situações que acabam passando despercebidas pela estrutura penitenciária e que contam com a Defensoria Pública para garantir direitos”, complementa.

É o caso de Lucas S.*, por exemplo, preso provisório desde 2019, que teve seu processo abandonado pela advogada. Sem o mutirão para diligenciar o processo, Lucas ficaria ainda mais tempo sem respostas. Ele e mais de 600 pessoas encarceradas sem sentença condenatória na unidade foram o público-alvo do Liberdade na Estrada, que busca especialmente rever a situação processual e a legalidade das prisões provisórias oriundas das comarcas que não possuem defensores(as) públicos(as).

O defensor público Danilo Mattos explica que o projeto tem uma razão de ser. “Nas pesquisas que a gente recebe, os presos provisórios ainda representam uma boa parte da população carcerária, o que é preocupante. A pessoa não pode ficar presa indefinidamente esperando o julgamento do processo. Muitas vezes, essas pessoas ficam esquecidas, ainda mais em comarcas onde não tem atendimento pela Defensoria”, relata.

Ao todo, foram atendidas 410 pessoas privadas de liberdade, provisoriamente e com condenação penal. Com a passagem pela cidade, o Liberdade na Estrada ultrapassou a marca dos 2 mil atendimentos desde que foi relançado, em março de 2023. A coordenadora Larissa Guanaes comenta que a edição foi muito exitosa, principalmente pela participação conjunta de equipes de diferentes comarcas: “Tivemos alguns casos emblemáticos aqui e foi muito importante a junção dessas forças para o sucesso do trabalho”.

Erro é palavra masculina

Se a sensação de abandono e esquecimento é uma queixa recorrente entre o público masculino do presídio, ela é ainda maior no público feminino. É o que conta a defensora pública Manuela Passos. “As mulheres são muito menos suscetíveis ao erro. Elas quase não recebem visitas, enquanto os homens recebem visitas de mulheres principalmente”, relata.

De acordo com sua vivência na instituição, as mulheres se envolvem mais em crimes relacionados ao convívio afetivo, especialmente o tráfico de drogas. “As mulheres, muitas vezes, se relacionam com homens que cometem essas condutas típicas e acabam se aprisionando por conta disso. É muito difícil a mulher se iniciar no tráfico de drogas sem estar acompanhada de um parceiro”, conta.

Uma acusação de tráfico de drogas envolvendo uma presa foi, inclusive, um dos casos marcantes do mutirão. Quando atendida pela Defensoria Pública, já havia uma decisão judicial expedida há 4 dias determinando a conversão da prisão preventiva de Jamile F.* para a domiciliar, com monitoramento eletrônico. Contudo, a comunicação não havia chegado ao presídio.

Com a análise processual, então, a Defensoria diligenciou o processo, de todas as formas, para que ela fosse solta. Até o fechamento da matéria, Jamile ainda se encontrava custodiada no Pavilhão Feminino do CPFS, mas com tudo encaminhado para que saia nos próximos dias, dependendo apenas de uma declaração de residência por parte de um familiar. A interna, que estava presa provisoriamente há duas semanas, é mãe de duas crianças e está grávida.

Sobre o caso, Passos comenta que ainda que existam diversas previsões normativas para privilegiar a mulher, especialmente as mães, no delito de tráfico de drogas, na prática, as coisas não funcionam como deveriam: “A maioria dos julgadores ainda são muito severos e utilizam de subterfúgios para evitar que esse direito seja assegurado diligenciando a soltura”.

Por trás das grades, há esperança

Além da análise processual, nos mutirões são avaliadas questões de estrutura do presídio, segurança, alimentação, educação, saúde, além de projetos que visem a ressocialização do preso. O objetivo é examinar a qualidade desses serviços e fomentar a implementação de outros projetos já existentes na DPE/BA. “A pena não é feita apenas para punir, ela é feita para ressocializar também. Não adianta a pessoa sair daqui sem qualquer tipo de oportunidade”, explica a coordenadora do Liberdade na Estrada, Alexandra Soares.

No Conjunto Penal de Feira de Santana, por exemplo, os internos e as internas contam com atividades de leitura, agricultura e criação de animais. A educação, por sua vez, que vai desde a alfabetização até cursos profissionalizantes, é desenvolvida no anexo da unidade prisional do Colégio Estadual de Tempo Integral de Feira de Santana. Ao contrário de muitos presídios, onde há uma adaptação dos pavilhões para as aulas, o CPFS abriga uma estrutura escolar completa, com biblioteca, refeitório e salas separadas por grau de escolaridade.

Oswaldo C. é um dos custodiados que busca usufruir ao máximo das oportunidades de ressocialização e remição de pena. Ele conta que já trabalhou na biblioteca, no cartório do presídio, no almoxarifado e atualmente está no setor de videoconferência. Formado em contabilidade, Oswaldo também já fez curso de manutenção de ar-condicionado e de atendimento ao público dentro da unidade, e diz que agora vai começar uma formação de assistente administrativo.

“Quando estou no pavilhão, me sinto como um interno. Quando estou aqui fora, me sinto como um funcionário, quero ajudar da melhor forma”, relata ele, que já é sentenciado, e por conta do trabalho e do estudo, terá a progressão de regime adiantada para meados de 2024, aproximadamente um ano antes do previsto.

Confira os nomes dos(as) defensores(as) públicos(as) que participaram do mutirão:

Alexandra Soares

Larissa Guanaes

Beatriz Soares

Danilo Mattos

Daniel Soeiro

Manuela Passos

Ana Carolina San Martin

* nomes fictícios