COMUNICAÇÃO

Em Ilha de Maré, moradores apresentam necessidades e alertam a Defensoria sobre ocupação de terras quilombolas

13/11/2020 11:14 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496

Defensoras públicas e ouvidora-geral da DPE/BA visitaram comunidades de Praia Grande e Bananeiras nesta quarta-feira, 11

Moradores da Ilha de Maré, bairro do município de Salvador localizado à beira da Baía de Todos os Santos, se reuniram com a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA e com a Ouvidoria Cidadã da Instituição para apresentar as principais necessidades existentes atualmente na região. Ao todo, foram treze pontos elencados pelos habitantes. A reunião foi realizada na sede da Associação Beneficente Educacional e Cultural de Ilha de Maré – Abecim, localizada na comunidade de Praia Grande, que foi sucedida por uma visita à comunidade de Bananeiras, onde há denúncias de ocupação irregular de território quilombola.

Com deslocamento viabilizado por meio de parceria com a Marinha do Brasil, a visita técnica foi realizada pela coordenadora da Especializada de Direitos Humanos da Defensoria, Lívia Almeida; pela coordenadora da Especializada de Curadoria Especial, Mônica Aragão; pela defensora pública atuante em Salinas das Margaridas, Roberta Cunha; e pela ouvidora-geral da Defensoria Pública, Sirlene Assis.

Comunidades de Ilha de Maré convivem com falta de infraestrutura e de saneamento básico

Na região, foi constatada uma grande deficiência em termos de saneamento básico, em especial sobre a distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgotamento sanitário e drenagem urbana. Entre as principais queixas dos moradores está o abastecimento de água encanada, o qual acontece a cada oito dias e, em diversas ocasiões, apenas a cada quinzena. Para lidar com este problema, moradores recorrem a duas fontes: Cajá, mais utilizada para o abastecimento local, e Tuíca, que em estado total de degradação e, portanto, sem condições de uso.

“A comunidade de Praia Grande precisa de mais infraestrutura e de melhorias em termos de saneamento básico. Há muito desrespeito à população em relação ao acesso às condições mínimas. Então, a nossa ida à Ilha de Maré foi importante para aproximar ainda mais a Defensoria Pública dos habitantes a fim de que possamos encaminhar as demandas e fazer a mediação para viabilizar o acesso aos direitos. Desta forma, nós estamos realizando a Ouvidoria em Movimento, para irmos ‘in loco’, com os defensores públicos, conhecer a realidade de cada comunidade”, afirmou Sirlene Assis.

Habitante de Ilha de Maré desde que nasceu, Cosme Rêgo, 53 anos, foi informado que a Defensoria estaria no local e que este seria um momento importante para apresentar as demandas locais. “Fiquei sabendo dessa reunião e fiz questão de vir porque a gente, aqui, está carente de muitas coisas, principalmente saúde e transporte. Nós não temos transporte público, ficamos à mercê de donos de canoas e barcos. Se tivermos dinheiro para pagar, nos locomovemos, caso não, não viajamos. Se cair um temporal aqui, os moradores ficam presos na ilha, por dias, sem poder atravessar”, afirmou.

Reunião da Defensoria Pública e Ouvidoria Cidadã com moradores de Ilha de Maré, na comunidade de Praia Grande

Trabalhador voluntário no projeto Grêmio Ilha de Maré – iniciativa de formação educacional e esportiva para pessoas de 8 a 20 anos, desenvolvida em conjunto com o fundador, Sinei das Neves Duarte –, Cosme Rêgo afirma que o ideal para os moradores seria a existência de lanchas para realizar o deslocamento durante todo o dia. “Isto favoreceria as pessoas que atravessam, mas, atualmente, precisam voltar cedo porque não há horários de barco. [Salvador tem] um porto bonito, bem equipado, mas não serve a toda população como deveria”, complementa.

Segundo relatos, uma vez que o transporte para o continente é feito por particulares, o valor do deslocamento sofre reajustes frequentes e atualmente chegam a custar R$ 7. Já em terra firme, é preciso pagar ainda por outros transportes necessários para de movimentar em Salvador.

Demandas de saúde também foram apresentadas pelos moradores, os quais relatam que os atendimentos acontecem das 8h às 16h, em dias de semana, e 24 horas aos fins de semana; que não há atendimentos de emergência e, quando necessário, é preciso se deslocar até o continente. “Agora está chegando a época da eleição, estão vindo helicópteros e a Ambulancha [ambulância aquática do SAMU], que demora para chegar. Muitas vezes os próprios moradores levam as pessoas e conseguem um carro [no continente] ou chamam o SAMU para encaminhá-las ao hospital. Mas aqui, na realidade, atendimento de emergência não existe”, afirma a coordenadora da Abecim, associação local, Selma de Souza, 59 anos.

A defensora pública Mônica Aragão explicou que a Instituição já havia sido acionada por moradores de Ilha de Maré. A Instituição também oficiou a Secretaria Municipal de Saúde para solicitar providências quanto às notícias de existência de Chikungunya, a retomada da Ambulancha em Ilha de Maré e o fornecimento de informações sobre testes para Covid-19.

Além disso, explicou que, em visita realizada ao bairro nesta quarta-feira, 11, a Defensoria Pública apresentou as devolutivas. Os moradores prontamente apresentaram novas demandas. Com isto, a DPE/BA se direcionou ao posto de saúde, localizado na comunidade de Praia Grande, e realizou uma reunião com a equipe de saúde o município.

Defensora pública se reúne com equipe da Secretaria Municipal de Saúde

“Como afirmado pelos moradores, a dor não escolhe a hora. Então, nós visitamos o posto de atendimento local, verificamos que estava tudo em funcionamento, mas também nos reunimos com a equipe de saúde do município para passar quais são as novas questões que a comunidade nos apresentou. Eles [a equipe de saúde] sinalizaram que estão considerando a construção de um outro posto de atendimento, provavelmente em Botelho, e também a ampliação da unidade atual para uma Unidade de Pronto Atendimento que funcione, de fato, 24 horas, em todos os dias da semana”, explicou Mônica Aragão.

Para a defensora pública Lívia Almeida, ainda que embora algumas questões apresentadas em ocasiões anteriores tenham tido resoluções, há muito a ser feito pela região. Com este objetivo, de acompanhar de perto a situação enfrentada cotidianamente pelos habitantes e atuar para que as demandas sejam sanadas, a Defensoria realizou a travessia da Baía de Todos os Santos e chegou ao local.

“Precisamos mostrar que a Ilha de Maré existe. A comunidade precisa de tudo – fornecimento de água de forma digna, tratamento de esgoto, transporte, ruas pavimentadas, diques para o atracamento de barcos, escolas, áreas de lazer como pracinhas, campos para esportes, cultura, além de mais postos médicos, pois são 11 comunidades distantes umas das outras. E esse será nosso objetivo ao longo deste ano e de 2021 – proporcionar o atendimento digno aos moradores da Ilha de Maré em todas as áreas”, pontuou Lívia Almeida.

A defensora afirmou que, de imediato, será encaminhado um ofício à Empresa Baiana de Água e Saneamento – Embasa para buscar providências quanto ao tratamento de esgoto e fornecimento de água. Após as eleições, será solicitada uma reunião com a Prefeitura de Salvador para resolução dos outros problemas urgentes.

Ocupação irregular em Bananeiras

Além da reunião em Praia Grande, nesta quarta-feira, 11, a Defensoria foi solicitada a comparecer à comunidade quilombola de Bananeiras para averiguar denúncia de ocupação irregular no local conhecido como Ponta do Capim. As defensoras públicas Mônica Aragão, Lívia Almeida e Roberta Cunha, além da ouvidora-geral, Sirlene Assis, foram ao local para visualizar o terreno e colher informações adicionais, realizando uma reunião com toda a comunidade em seguida. Segundo os moradores, um forasteiro que se intitula padre deseja construir uma igreja no local. Ainda, de acordo com os habitantes, o homem teria feito ameaças à integridade física dos habitantes.

Vista do mar da Ponta do Capim, localizada na comunidade de Bananeiras

“O nosso medo é existir um processo de gentrificação. Qual é a intenção dessa pessoa em construir uma paróquia no local de mais difícil acesso dos possíveis fiéis? Não se trata de intolerância religiosa – o que está em jogo é uma questão territorial, um conflito pela Ponta do Capim. Para nós, da comunidade de Bananeiras, trata-se de um local utilizado para o lazer. Mas também é um local com alto índice de especulação turística. Há três anos, um empresário queria comprar o exato local onde o padre diz querer construir a sua capela. É muito estranho e a gente quer entender isso. Quase todos nós achamos que se trata de uma cortina de fumaça com um outro interesse real por trás”, afirmou Emílio*, morador da região.

Outra habitante da comunidade, Lígia* ressalta que a população está buscando alternativas pacíficas e legais para lidar com a questão e, por isso, buscou a Defensoria Pública da Bahia. “Estamos percorrendo esse caminho para evitar conflitos. Até hoje ele não fez a apresentação do projeto [que afirma ter planejado para a comunidade], daí, para uma ou outra pessoa que ele dialoga, diz que vai construir uma paróquia, implantar curso profissionalizante, mas é isso que a comunidade quer e precisa? A gente sabe falar! Ele chega com racismo, anulando todo o nível de organização que temos na comunidade. Há muita agressividade”, explicou.

Os moradores também relataram que, junto ao forasteiro, vieram estrangeiros refugiados e não há conhecimento sobre a real situação destas pessoas. Com isto, cresce o receio de que algo negativo aconteça às famílias da comunidade. Após a escuta à comunidade, houve encaminhamentos propostos pela DPE/BA e aprovado pelos habitantes.

Defensoria Pública avalia território onde desejam realizar a construção

“Imediatamente, nos reuniremos com a Defensoria Pública da União, pois se trata de área remanescente de quilombos, já tendo sido emitido Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é possível, então, que uma pessoa física se aproprie de área coletiva”, afirmou a defensora pública Lívia Almeida.

Já a ouvidora-geral, Sirlene Assis, afirmou que realizará um encontro com representante local para redigir um documento relatando o fato as autoridades. Também propôs a realização de uma visita técnica à comunidade quilombola para que outros órgãos e instituições possam conhecer a realidade local.

“Parabenizo a comunidade e quero dizer que o nosso nome é resistência. Precisamos resistir para poder existir. Isso é o racismo estrutural. Ninguém invade territórios de pessoas que têm recursos e capital econômico, invade territórios das comunidades tradicionais, das comunidades negras, e continuam a perseguição contra o nosso povo. Nós iremos oficiar os órgãos responsáveis, mas o papel é frio. É preciso também vir ‘in loco’ conhecer a realidade da coletividade”, finalizou Sirlene, ao destacar também a intenção de realizar uma audiência pública com a população no mês de janeiro do próximo ano.

Marinha do Brasil

Defensoras públicas e ouvidora-geral com comandante da Marinha do Brasil

Encerrada a visita à Ilha de Maré, a equipe da DPE/BA se reuniu com comandantes da Marinha do Brasil, não apenas para agradecer a parceria que viabilizou o deslocamento, mas também para abordar questões como condições de navegabilidade da Baía de Todos os Santos, uma vez que é o caminho percorrido pela ambulância aquática do SAMU para socorrer os habitantes da região, como também para dialogar sobre iniciativas para a região. A Ouvidoria Cidadã da DPE/BA solicitou o estreitamento de parcerias entre a Instituição e a Marinha do Brasil para o desenvolvimento de projetos coletivos.

 

*Nomes fictícios foram usados para preservar a identidade dos moradores.