COMUNICAÇÃO

Curso interno da Defensoria sobre relações raciais se encerra com exposições sobre políticas de cotas e critérios para sua aplicação

17/12/2020 11:32 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Curso se inscreve nas políticas da Defensoria de uma atuação cada vez mais antirracista

O debate sobre as políticas afirmativas de cotas raciais encerrou o primeiro curso da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA voltado para formação interna de defensores, servidores e estagiários sobre relações raciais e racismo estrutural no Brasil. A iniciativa faz parte dos esforços da Defensoria para uma atuação institucional cada vez mais marcada pela luta antirracista.

Com participação de diversos professores e estudiosos convidados, o curso foi ofertado de maneira virtual e organizado pelo Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial em parceria com a Especializada de Direitos Humanos e a Escola Superior da Defensoria. Prestigiando a quinta e última aula, o defensor público geral do estado, Rafson Saraiva Ximenes, recordou os desafios e os dispositivos utilizados da implementação do sistema de cotas na seleção de novos defensores.

“Quando surgiu a ideia de fazer o concurso com cotas, havia primeiro uma decisão política. A Defensoria tinha então muito poucos defensores e servidores negros. A partir daí foi se buscar os mecanismos legais e jurídicos. A lei orgânica da Defensoria não previa a aplicação das cotas. Contudo, a interpretação do Estatuto da Igualdade Racial do Estado da Bahia se aplicava a todo serviço público e não apenas ao Poder Executivo. Daí é a luta para vencer as resistências com argumentos e mobilização”, apontou Rafson Ximenes.

O defensor-geral fez questão de pontuar também que os últimos concursos da Defensoria, para estagiários e servidores, já contam com reserva de vagas não apenas para negros (30%) como para indígenas (2%) e o mesmo deverá ser aplicado novamente no próximo concurso de defensores(as).

Identidade, fenótipos e cotas

Mediado pela defensora pública e integrante do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da Defensoria Jamara Saldanha Santana, a última aula do curso foi ministrada pela professora e socióloga Marcilene (Lena) Garcia de Souza.

Lena Garcia iniciou sua exposição destacando aspectos das bancas de heteroidentificação racial (que consiste em utilizar a percepção social de terceiros, que não a própria pessoa, para promover a identidade racial) como fundamentais para minimizar fraudes e fortalecer o ingresso das pessoas com respeito a seus atributos raciais/estéticos.

“Nós temos muitos desafios por conta da complexidade do país, com sua dimensão continental e singularidades regionais. Precisamos ter critérios técnicos de identificação do fenótipo e precisamos pensar nas padronizações. Um dos desafios mais contemporâneos que tenho observado são as “blackfaces”, os candidatos tem se bronzeado, usado maquiagens, colocado “dreads” e outros recursos para burlar as bancas [de heteroidentificação]. Isto está acontecendo de forma muito generalizada. Precisamos do ponto de vista legal criar maiores controles para estas situações”, apontou Lena Garcia.

Lena apontou ainda que as bancas telepresenciais, que passaram a ser mais utilizadas no contexto de pandemia da Covid-19, tem menor efetividade no controle destas questões, já que há até mesmo recursos tecnológicos utilizados, por exemplo, para “escurecer” candidatos. “Nós precisamos pensar em formas de punir estas tentativas de burla como crime, uma vez que há uma grande incidência deste comportamento”, pontuou.

A socióloga categorizou ainda tipos de fraudadores mais comuns e discorreu sobre questões de identidade, com diversas polêmicas na categorização de pardos, e a aparência fenotípica (manifestação visível das características de uma pessoa). “No caso de pessoas que se declaram indígenas é uma questão mais ligada à identidade, porém no caso de pessoas negras [pretos e pardos] o racismo no Brasil é uma questão de fenótipo, de aparência, então a pessoa aqui pode se considerar negra se quiser, no entanto, para fim de cotas, das ações afirmativas, ela precisa parecer negra, ser socialmente reconhecida como negra. Assim, brancos descendentes de negros, não são sujeitos de direitos das cotas raciais”, disse Lena Garcia.

A última aula foi realizada no dia 2 de dezembro e esta disponível na íntegra no canal da Defensoria no Youtube.