COMUNICAÇÃO

Caso Atakarejo: acordo homologado prevê pagamento de R$ 20 milhões para enfrentamento ao racismo

19/09/2023 11:06 | Por ASCOM
Imagem: Google Maps

O termo de acordo judicial possui 42 cláusulas com obrigações que deverão ser cumpridas pelo Atakarejo. O documento não elimina outros processos contra a empresa

A Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) celebrou a homologação do termo de acordo judicial no caso que chocou o país, em abril de 2021, quando um jovem negro de 19 anos e seu tio foram vítimas fatais de um episódio violento envolvendo a rede de supermercados Atakarejo. Por conta de um suposto furto de carne, Yan Barros e Bruno Barros, de 29 anos, foram submetidos a diversas violações de direito e entregues para execução por funcionários da empresa. O documento específico, fruto de uma atuação coletiva, não é uma forma de reparação dos familiares das vítimas, mas da sociedade como um todo. Entre as exigências, o acordo visa diversas medidas de inclusão social, além de um um valor a ser pago de R$ 20 milhões que será utilizado para custear, preferencialmente, iniciativas que guardem afinidade com o combate ao racismo estrutural.

Vale lembrar que este acordo não elimina outros processos contra a empresa, como na esfera criminal e ações indenizatórias para a família das vítimas, também ajuizada, neste último caso, pela DPE/BA, referente a Yan.

O acordo foi homologado na última segunda-feira (18). O termo de 31 páginas foi composto por diversas frentes, como a Defensoria Pública da Bahia, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Educafro, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Instituto da Mulher Negra e o Ministério Público da Bahia. Assinaram o documento, representando a DPE/BA, as defensoras Eva Rodrigues, Lívia Almeida e Vanessa Lopes.

“Desde que tivemos conhecimento do ocorrido no Atakarejo, envidamos todos os esforços em busca da reparação dos danos causados, seja individualmente, seja coletivamente. Os assassinatos de Yan Barros e Bruno Barros ultrapassam as esferas individuais, importando no rebaixamento do patrimônio moral de toda a população negra e a Defensoria não poderia se furtar de atuar nesse caso”, disse a defensora Eva Rodrigues, que reforça a importância de outras frentes participarem deste momento.

“É necessário registrar que toda nossa estratégia de ação, inclusive no que refere aos valores e demais cláusulas constantes do acordo, foi compartilhada com importantes representações do movimento negro aqui da Bahia, além da nossa Ouvidoria Externa. É um acordo histórico, construído com várias mãos”, completa. 

O termo de acordo judicial possui 42 cláusulas com obrigações que deverão ser cumpridas pelo Atakarejo. O objetivo, como consta no termo, é “evitar, inibir e coibir o racismo individual e institucional no âmbito territorial onde desenvolve a sua atividade empresarial, de modo a adotar medidas de combate à discriminação, bem como de promoção da diversidade, descritas detalhadamente e exclusivamente nas CLÁUSULAS deste termo”; Resumindo: a empresa terá a obrigação de implementar medidas antirracistas, não tirando a obrigação da contraprestação financeira. 

Na cláusula 21, por exemplo, a empresa se compromete em pagar R$ 20 milhões, divididos em 36 parcelas. Este valor será destinado para o Fundo de Promoção do Trabalho Decente (FUNTRAD), com o propósito preferencial de combater o racismo estrutural. Este valor não substitui outros processos entre o Atakarejo e a família dos envolvidos, por exemplo.

Outras medidas também chamam atenção. O Atakarejo terá algumas obrigações no momento da contratação de pessoal para segurança patrimonial, como não contratar empresas que possuam no seu quadro empregados que sejam “policiais civis ou militares da ativa ou que tenham sido expulsos de tais instituições; mantenha entre seus empregados pessoas com condenação transitada em julgado por crimes em que haja o emprego de violência física ou psíquica”, entre outros. 

Para registros de possíveis casos semelhantes, a empresa deverá também manter um canal ativo de denúncias e fica proibida impedir as filmagens das abordagens realizadas pelos seus trabalhadores, seja dentro ou fora das lojas. A inclusão também foi abraçada pelo termo. O Atakarejo precisará ter no seu quadro de funcionários a proporção racial, de acordo com o último Censo do IBGE, além de uma aceleração da carreira para pessoas negras, incluindo um programa específico de estágios em diversas áreas da empresa, como Recursos Humanos, Tributos e Marketing. Tudo para combater o racismo e proporcionar a inclusão.

“O resultado desse processo é muito importante para nós, pois ele significa mais um passo na consolidação de uma cultura de responsabilização cível pela violência racial. Vivemos por muitos anos no Brasil repetindo a frase de que estes atos raciais não têm consequência nem resposta”, afirma a defensora Vanessa Lopes, também afirmando a importância do valor que será pago para investir no combate ao racismo estrutural.

“A gente construiu um consenso amplo envolvendo sociedade civil, MPT, MPE, DPU, com dedicação de todos os envolvidos. A gente consegue chegar num valor que é significativo para reverter, em benefício coletivo, para a comunidade negra. Serão ações voltadas pro enfrentamento ao racismo e, com isso, a gente consegue reafirmar um pouco que as vidas das pessoas negras, de fato, importam”, completa. 

Ação Cível individual

Representando a mãe de Yan, a Defensoria da Bahia também ajuizou uma ação, na 9ª Vara Cível de Salvador, contra o Atakarejo com um pedido de indenização para a família. Mas, para abreviar o sofrimento revivido pela família a cada ato processual e garantir mais agilidade na prestação de assistência por parte da empresa, a instituição propôs a realização de um acordo. De acordo com a coordenadora da Especializada Cível e Fazenda Pública, Ariana Souza, as discussões para formalizar resolução extrajudicial esteve em tratativas durante os meses de abril e maio, mas também aguarda homologação.

“Caso como o do Yan deve ser lembrado para que situações como essas não ocorram mais na nossa sociedade. O racismo é crime e devemos combatê-lo com a conscientização da sociedade e a Defensoria também tem esse papel de transformação social”, avalia Ariana Souza. Segundo ela, o acordo celebrado para indenização financeira da família de Yan não interfere nos trâmites processuais da ACP. “A Ação Civil Pública visa a reparação coletiva por dano moral, social e coletivo causado à população baiana negra e consumidora. O acordo celebrado, por outro lado, tem caráter individual. Além disso, a denúncia criminal do Ministério Público segue os trâmites processuais normais”, explica a defensora pública.

A sucessão de eventos que resultou nas mortes de Bruno e Yan evidenciam os reflexos do racismo na destituição da humanidade das pessoas negras na sociedade brasileira e extrapola a dimensão individual. Este termo homologado significa um avanço, mas ainda não é suficiente. 

“Sei que é importante esse acordo, foi um trabalho árduo de várias instituições, unidas em muitos momentos para exigir o mínimo de reparação para uma situação gravíssima. Não em prol dos familiares nesse caso, já que foram duas atuações distintas, mas em favor de toda uma coletividade que sofre diariamente . Mas eu ainda acho muito pouco”, completa a defensora pública, Lívia Almeida.