COMUNICAÇÃO

Após denúncia com base em reconhecimento fotográfico, homem é absolvido porque se encontrava preso na ocasião do crime

04/05/2022 8:33 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352 Foto: Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Caso é mais uma demonstração de que o reconhecimento fotográfico não é procedimento suficiente para sustentar acusação; STJ já estabeleceu que, isolada, identificação desta natureza não pode servir como prova

Imagine ter um processo penal aberto contra si por assalto a mão armada em face de um mero e equivocado reconhecimento por foto? Foi isto que ocorreu com *Camargo. Uma acusação que se provou sem sustentação na medida em que Camargo se encontrava preso na data do episódio do roubo em investigação e objeto da denúncia.

Assistido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), Camargo foi absolvido pela Justiça neste processo, mas se tratando de um acusado que já possuía antecedentes criminais sua sorte poderia ter sido muito distinta na situação.

Além do álibi categórico descartando a possibilidade de que Camargo tivesse realizado o crime, na petição encaminhada à 4ª Vara Criminal de Salvador, a DPE/BA destacou o grave problema da acusação ter sido levada adiante apenas com base em um procedimento de reconhecimento por fotografia.

De acordo com a defensora pública Soraia Ramos, que esteve à frente do caso, o reconhecimento de pessoas, especialmente por fotografia, não é um procedimento confiável isoladamente e poderia ter produzido uma condenação injusta.

“As vítimas afirmaram que reconheciam o acusado como o autor do delito ‘sem nenhuma dúvida’, mas não significa que mentiram. É sabido que algumas variáveis aumentam o risco de falso reconhecimento. O esquecimento, o estresse, além de outras variáveis, como questões relativas à raça/cor, a maioria esmagadora dos erros no país se dão com pessoas negras, afetam a identificação. É preponderante, neste sentido, a maneira como o suspeito é apresentado e as instruções dadas à testemunha para o procedimento”, explica Soraia Ramos.

Ainda de acordo com a defensora pública, recente acordão do Superior Tribunal de Justiça firmou que os reconhecimentos devem levar em conta as formalidades estabelecidas no artigo 226 do Código de Processo Penal. A decisão da corte estabelece que as inobservâncias dos procedimentos invalidam os reconhecimentos e não podem servir a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juiz.

Além disso, outra decisão do mesmo STJ, estabeleceu que “o reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível”.

“No caso de nosso assistido, nunca houve reconhecimento presencial com o dito alinhamento justo, quando o suspeito é apresentado em meio a outras pessoas sabidamente inocentes, chamadas de ‘enganadores’ por possuírem características físicas semelhantes a ele. Quando da audiência de instrução a memória da vítima já estava contaminada pela única foto demonstrada na fase do inquérito”, acrescenta Soraia Ramos.

A petição da Defensoria em favor de Camargo, recordou também que o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Gerais e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro iniciaram uma pesquisa junto às Defensorias Públicas no Brasil para catalogar os erros nos reconhecimentos fotográficos.

Embora os dados ainda sejam preliminares, apontam para registros preocupantes de condenações injustas que, felizmente, acabaram revertidas. Apesar disso, há também inúmeros casos que os acusados foram condenados com base nos reconhecimentos feitos nas delegacias e em juízo sem sequer observâncias das recomendações legais.