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Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia

01/09/2014 10:09 | Por tao_adm
Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia
Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia

Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia

O subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal, Alan Roque de Araújo, e os defensores públicos, Alexandra Soares da Silva e Juarez Angelin, participaram, na segunda-feira, 25, de uma audiência pública realizada pela Defensoria Pública da União (DPU) de São Paulo. O objetivo do evento foi discutir ações que possam tornar a audiência de custódia um procedimento obrigatório na legislação penal brasileira. Apesar de signatário de tratados e convenções internacionais que preveem a apresentação do preso em flagrante ao juiz, em um prazo máximo de 24 horas, o Brasil ainda não adota esta praxe.

A audiência de custódia tem por objetivo garantir o contato da pessoa presa com um juiz num prazo de 24 horas após sua prisão em flagrante. Esse encontro é considerado fundamental não como contato entre o preso e o juiz, que pode avaliar melhor as circunstâncias da prisão, como também é mecanismo eficaz de prevenção e combate à violência policial e à prática da tortura, além de efetivo controle judicial.

A convocação da audiência pública foi feita em conjunto pela DPU, por meio do Grupo de Trabalho para Atendimento aos Presos e Egressos Estrangeiros e do Grupo de Trabalho Nacional para Atendimento de Pessoas Presas, assim como pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC).

"A Defensoria Pública da Bahia vem defendendo, reiteradamente, a tese da premência da realização da audiência de custódia, pois constatou um aumento no número de denúncias de abusos policiais, maus tratos e tortura no momento da prisão, uma vez que o custodiado comunicava-se prontamente com o magistrado, sentindo-se encorajado a contar o acontecido. Da mesma forma, a simples apresentação do custodiado ao magistrado, defensor público e promotor de justiça já promove a inibição da prática de tais atos e garante o que está previstos nos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, das quais o Brasil é signatário", afirma a subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira.

O artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (…)". No mesmo sentido, assegura o artigo 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que "qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (…)"

Em recente artigo publicado na Revista Conjur, o professor da PUC-RS, Aury Lopes Jr, e o defensor público federal, Caio Paiva, afirmam que "são inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a ‘fronteira do papel' estabelecida no artigo 306, parágrafo 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado".

E prosseguem, opinando que "em diversos precedentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem ressaltado que o controle judicial imediato assegurado pela audiência de custódia consiste num meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais. Já decidiu a Corte IDH, também, que a audiência de custódia é – igualmente – essencial ‘para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade física', advertindo estar em jogo, ainda, ‘tanto a liberdade física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto em que a ausência de garantias'".

Está tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado 554/2011, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), cujo conteúdo foi substituído pela emenda do senador João Capiberibe (PSB-AP), aprovada na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH), com seguinte redação:

"Artigo 306:
§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2º A oitiva a que se refere o § 1º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 4º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código".

No entanto, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi distribuído para o relator, senador Humberto Costa (PT-PE), recebeu, em junho, uma emenda substitutiva de autoria do senador Francisco Dornelles (DEM-RJ), que se limita basicamente a alterar a versão original do projeto para estabelecer que a audiência de custódia também poderá ser feita pelo sistema de videoconferência. Este substitutivo:

"Artigo 306:
§ 1º. No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública".

Na análise dos articulistas, o maior inconveniente do substitutivo "é que ele mata o caráter antropológico, humanitário até, da audiência de custódia. O contato pessoal do preso com o juiz é um ato da maior importância para ambos, especialmente para quem está sofrendo a mais grave das manifestações de poder do Estado".

A justificativa apresentados pelo senador fluminense seriam os altos custos e riscos gerados pelo deslocamento de presos perigosos. "É elementar que a distância da virtualidade contribui para uma absurda desumanização do processo penal. É inegável que os níveis de indiferença (e até crueldade) em relação ao outro aumentam muito quando existe uma distância física (virtualidade) entre os atores do ritual judiciário. É muito mais fácil produzir sofrimento sem qualquer culpa quando estamos numa dimensão virtual", dizem os atores do texto.

Por outro lado, iniciativas da DPU, como a já obteve precedentes favoráveis na Justiça Federal de Cascavel (PR) e na 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, como também a Ação Civil Pública ajuizada em Manaus, contribuem para estabelecer o cumprimento efetivo da audiência de custódia.

Para o subcoordenador Alan Roque, a DPU tem desempenhado um papel muito importante com relação à adoção da audiência de custódia no país. "Esta audiência aqui em São Paulo reforça o nosso trabalho, das Defensorias Públicas, no sentido de cobrar do Legislativo a aprovação da lei que tramita no Senado para a garantir aos presos em flagrante a audiência de custódia", disse o defensor.

Nesse sentido, ao fim da audiência, foi aprovada uma moção de apoio ao Projeto de Lei do Senado e a DPU pretende tornar-se parte interessada no pedido de providências protocolado pela Defensoria Pública da Bahia no CNJ, solicitando o funcionamento do Núcleo de Prisão em Flagrante (NPF), que funcionou nas dependências da área administrativa da Cadeia Pública, em Salvador, de setembro de 2013 a maio deste ano. "Foi uma forma que encontramos para garantir a apresentação dos presos em flagrante ao juiz. Agora, com a transferência do NPF para o Fórum Criminal, em Sussuarana, não logística que possa garantir esse procedimento. Isto foi um verdadeiro retrocesso", avalia Alan Roque. A Defensoria estuda a possibilidade de ingressar, como amicus curiae, na Ação Civil Pública da DPU.