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É quilombo! Novos(as) defensores(as) participam de posse popular em dia histórico

Pela primeira vez na história da Defensoria, posse ocorreu em território quilombola, mais precisamente no Quilombo Boca do Rio, em Candeias
25/02/2025 10:02 | Por Tunísia Cores
É quilombo! Novos(as) defensores(as) participam de posse popular em dia histórico

“É quilombo, é quilombo, é quilombo!”. Com tais palavras cantadas em roda de samba liderada pela Associação de Mulheres Akomabu, 13 novos(as) defensores(as) públicos(as) receberam seus certificados da Posse Popular promovida pela Escola Superior da Defensoria Pública do Estado da Bahia (Esdep). Organizada também pela Ouvidoria Cidadã, a cerimônia realizada nesta segunda-feira (24) foi a primeira, em cerca de dez anos, a ocorrer em território quilombola da Bahia. 

Em seu discurso, a defensora pública geral, Firmiane Venâncio, agradeceu aos(às) empossados(as) por escolherem a Defensoria da Bahia para exercer a profissão e parafraseou a escritora estadunidense Audre Lorde ao afirmar que não é possível usar as ferramentas do mestre para desmantelar a sua própria casa. 

“Cada vez que saímos dos gabinetes para fazer a posse popular, nós não usamos as ferramentas do senhor. Nós estamos utilizando as ferramentas do amor comunitário, que é o que traz a verdadeira libertação”, disse. 

Firmiane Venâncio afirmou que é na Posse Popular onde ocorre a verdadeira investidura no cargo de defensor(a) público(a): longe dos gabinetes e das telas de computadores e celulares, mas perto das pessoas, olhando nos olhos de cada usuário dos serviços da Instituição.

”Esse é o verdadeiro encontro com uma realidade que, talvez, vocês só tenham visto nos filmes e documentários. É aqui onde iremos conhecer os verdadeiros problemas da comunidade, os dilemas e lutas do nosso povo para ter direito ao território, à água, à ancestralidade. É nesse espaço em que a Defensoria encontra sua verdadeira missão”, disse a defensora-geral.

Na ocasião, o anfitrião e presidente do Quilombo Boca do Rio, Luciano Celestino, homenageou a memória do seu pai, que ajudou a construir a comunidade, e disse que a Posse Popular era um momento histórico para o território. 

“Meu pai iniciou essa nossa luta em busca de provar que não éramos invasores, que esse território era nosso. Que esse momento [da Posse Popular] seja único também para elevar a visibilidade desse espaço e que as autoridades percebam que a gente não está só, estamos com vocês e estaremos na luta firmes e fortes”, declarou Luciano Celestino.

Natural de São Paulo e filho de baianos, o defensor público Moacir Santana dos Reis, 42 anos, foi um dos empossados no Quilombo Boca do Rio. Em seu discurso, o defensor público relembrou que as histórias de luta e resistência permearam a origem dos quilombos e afirmou que há um sopro de esperança que uniu cada um(a) dos(as) presentes. 

“Todos aqui, com suas mais diferentes lutas e sonhos, comungam com o povo preto o seu desejo de viver dignamente. Estarmos aqui hoje, neste quilombo de tantas histórias de fé e coragem, nos ensina que viver só existe no plural, no coletivo”.

Para Moacir Santana, a existência de cada pessoa está também relacionada ao fortalecimento da coletividade. 

“É a experiência de cultivar o ‘nós vivemos’. É nessa mesa que a Defensoria reúne todos nós para a ceia, para partilhar o mesmo alimento, mas sobretudo os nossos sonhos, nossa vida, para que em algum momento possamos estar saciados de ver e fazer valer nossos direitos”, finalizou o defensor público. 

Ouvidora-geral da DPE/BA, Naira Gomes destacou que a posse formal importa, mas que a posse popular é um momento revolucionário. Ela relembrou que há alguns anos a Ouvidoria Cidadã atua no Quilombo Boca do Rio e resgatou a história da construção do Brasil para relembrar que os quilombos são espaços ancestrais de vida e resistência.

“Um quilombo significa as pessoas que atravessaram, resistiram, frutificaram nesse terreno onde tinha tudo para a gente morrer de fome, de saudade. Mas um quilombo significa ter na veia essa coragem, essa força, esse amor que nos move em rede”, finalizou Naira Gomes agradecendo a receptividade da comunidade à Defensoria.

Presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos da Bahia (Adep-BA), Bethânia Ferreira entregou um girassol a cada empossado(a) como símbolo da missão

“Esse girassol é para a gente lembrar de seguir o sol que existe nas pessoas, que são os(as) nossos(as) assistidos(as). E também para nos lembrar de sermos o sol na vida das pessoas, porque esse é o nosso compromisso quando assumimos essa função”. 

Titular do Núcleo Fundiário da Defensoria, mas afastada para exercer a presidência da Adep, Bethânia destacou ainda que o território não é somente o espaço físico, mas um espaço de alma de onde se tira o alimento, onde se constrói a cultura e o modo de viver.

Fotos: Mateus Bonfim