COMUNICAÇÃO

Em seminário, defensor-geral destaca naturalização da privação de direitos como fonte dos problemas brasileiros

07/11/2019 17:27 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Palestra fez parte do XII Seminário Brasil/Argentina realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA

Defendendo via gratuita de acesso dos cidadãos à Justiça como instrumento indispensável à realização efetiva do regime democrático, o defensor público geral Rafson Ximenes palestrou na noite desta terça-feira, 5, na abertura da 12ª edição do Seminário Brasil/Argentina na UFBA, em Salvador. Realizado no auditório da Faculdade de Direito, o evento teve como tema este ano: “O desafio de defender hoje a dignidade do ser humano”.

Em sua apresentação, o defensor público geral rememorou o julgamento dos negros escravos e libertos que participaram da Revolta dos Malês em Salvador no ano de 1835. Os dados do episódio serviram como fio condutor para refletir sobre como historicamente a Justiça e seu acesso no Brasil estão atravessadas por um caráter racista, excludente, e de acentuado interesse mercantil/financeiro. Rafson Ximenes citou o livro “Rebelião Escrava no Brasil”, do historiador João José Reis, onde este investigou processos a que foram submetidos os negros que participaram desta revolta.

“Dentre os processos analisados [no livro], apenas 11% dos negros escravos envolvidos receberam penas que o inviabilizavam posteriormente para o trabalho, como prisão, morte ou deportação. Já entre os negros libertos 96% tiveram um destino desta natureza. Não havia nenhum interesse em patrocinar a defesa dos negros libertos, só como gesto de caridade. Mas importava defender os escravos, já que eles eram posses. Desperdício de sangue era aceitável, mas de dinheiro nunca”, disse o defensor público geral.

Ao assinalar o dado de que a Defensoria Pública do Estado da Bahia tem apenas 7% do orçamento destinado para o Sistema Justiça em comparação com os 19% do Ministério Público e 74% do Tribunal de Justiça, Rafson Ximenes sustentou que a população mais pobre e vulnerável não pode depender da caridade para ter assegurada sua defesa. Para o defensor-geral, as pessoas tendem a naturalizar a situação de privação dos mais pobres e de todos que são socialmente discriminados.

“Naturalizam também que cidades inteiras não tenham um profissional para fazer uma ação de alimentos, um divórcio, uma defesa criminal. Naturalizam a ausência de oferta de assistência jurídica gratuita. Em quase 80% das comarcas baianas, a situação da população pobre, da população negra, ainda é a de 1835 [em referência a revolta dos Malês], aquela em que os pobres e negros dependem de caridade ou de um profissional que faça a defesa voluntária. O berço de nossos problemas é a naturalização da privação de direitos dos pobres e dos negros”, prosseguiu Rafson Ximenes.

RACISMO ESTRUTURAL E INSTITUCIONAL
Antes já havia palestrado no evento a promotora do Ministério Público da Bahia, Lívia Santana, que discorreu sobre o racismo institucional apresentando dados sobre a realidade da composição de presos no sistema carcerário brasileiro, das vítimas de violência, da longevidade, entre outros aspectos que revelam a estrutural desigualdade que persiste entre brancos e negros em torno das oportunidades no país.

Lívia Santana destacou que os negros no Brasil estiveram proibidos por lei de frequentar escolas durante longo período. Ela defendeu as cotas raciais como elemento de reparação de uma “corrida que já começou muito desigual”. Para Lívia, defender a meritocracia, a partir de um cenário de desigualdade, é nada mais que defender a manutenção do status quo de quem já está no topo do poder.

“Com o fim da escravidão, os imigrantes que vieram para cá, tinham garantia a terra, a moradia e ao mercado de trabalho. Estas mesmas garantias não foram concedidas as pessoas negras então recém libertas. Neste momento se cria um obstáculo severo ao desenvolvimento de uma classe média negra. Fomos impulsionados dos navios negreiros para as senzalas, daí para os cortiços, e atualmente para o encarceramento em massa e o genocídio nas favelas”, sublinhou Lívia Santana.

Também se apresentou o professor de Direito Fabiano Pimentel, que discorreu sobre a necessidade de se resguardar o processo penal garantista. Para ele, se forjou um contexto de incentivo e fortalecimento de uma cultura punitivista que passa a considerar os juízes como espécie de justiceiros que deveriam tomar parte nos processos contra os réus. Por fim, a professora de Direito Juliana Damasceno abordou aspectos ligados à dogmática da racionalidade penal em relação à liberdade de proposição dos legisladores brasileiros.

A mesa de abertura do evento contou ainda com falas do cônsul-geral da Argentina na Bahia, Pablo Virasoro, e da desembargadora Gilda Maria Carneiro Sigmaringa Seixas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.