COMUNICAÇÃO

VITÓRIA DA CONQUISTA – Audiência pública expõe violações de direitos nas 32 comunidades quilombolas do município

23/11/2022 14:03 | Por Rafael Flores - DRT/BA 5159

Encontro tratou a situação do abastecimento de água e saneamento básico e também levantou problemas na saúde, educação e mobilidade

“Em pleno 2022 e a gente tem que pegar água na cabeça? Isso é retrocesso, não vivemos no passado. Nós queremos água em nossas torneiras, mas acima de tudo queremos ser tratados com respeito. Querem nos colocar em uma caverna, mas há muito tempo já vemos a luz do sol”. Foi com essa sensibilidade nas palavras que Lucineia Fernandes denunciou a situação da comunidade de Cachoeira dos Porcos, onde reside, durante audiência pública nesta segunda-feira (21) no teatro do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima em Vitória da Conquista.

Promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, por meio de sua 2ª Regional Administrativa e sua Ouvidoria Cidadã, em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU), o encontro tratou das condições do saneamento básico e do abastecimento de água nas comunidades quilombolas de Vitória da Conquista. O momento foi concebido após a realização do projeto Quilombolas em Conquista, desenvolvido pelo Serviço Social da 2ª Regional em agosto de 2020, que buscou traçar um exame dos territórios e obter um diagnóstico de suas demandas. Para além das adversidades com água e saneamento, o projeto constatou faltas na área da saúde, educação e mobilidade entre as comunidades.

A audiência serviu assim tanto para apresentação do diagnóstico obtido pela Defensoria, quanto para que os próprios moradores relatassem os problemas que enfrentam. Dividida em dois momentos, a atividade contou com roda de conversa e apresentação de dados pela manhã, enquanto pela tarde moradores e as autoridades presentes foram escutadas. Das 32 comunidades quilombolas do município, 28 se fizeram representadas e puderam manifestar suas considerações.

“É um dia histórico, pois neste momento as comunidades quilombolas podem ser ouvidas. Nós fizemos um relatório técnico, que foi apresentado, e mostramos as carências que toda a comunidade vive. Também queremos proporcionar o momento da comunidade falar diretamente com os representantes do poder público que são os quem podem começar a solucionar os problemas”, comentou o defensor público e coordenador da 2ª Regional, José Raimundo Campos, antes da audiência iniciar.

Uma das responsáveis por visitar as localidades e apurar todas as violações de direitos, a assistente social da DPE/BA em Vitória da Conquista, Débora Santtana explicou que as principais demandas das comunidades são a questão da água, das estradas e, em seguida, da saúde. “Foi um trabalho árduo visitar todas as comunidades, obter as informações e mobilizar as comunidades. Há uma comunidade, por exemplo, que fica a 83 km da sede do município, então há dificuldade de mobilidade para estar aqui, ainda mais em um dia chuvoso como o de hoje. O sentimento que fica é o de contribuir para tirar estas comunidades da invisibilidade, permitindo mesmo que pudessem falar da própria realidade”, afirmou Santtana.

Ainda que com características particulares de cada comunidade, as queixas coincidiram. “A água, que é um direito fundamental, é uma luta todo ano para garantir. Todo ano a gente fica de mãos atadas. São 18 caminhões pipa para atender 12 distritos, compreendendo todo o território rural de conquista. De muito pelejar conseguimos uma vez a cada mês”, explicou o presidente do Conselho das Associações Quilombolas do Sudoeste da Bahia, Domingos LemosDomingos ainda citou que o abastecimento por caminhões devem ser tratados como medidas paliativas e que as comunidades esperam uma solução definitiva. Segundo o estudo da DPE/BA, 38% dessas comunidades dependem exclusivamente deste tipo de abastecimento.

A falta de água e saneamento têm impacto direto no cotidiano e não há transparência sobre como os abastecimentos paliativos funcionam. “Nós não sabemos, por exemplo, qual a qualidade dessa água que chega até nós, nem se o próprio transporte dessa água no caminhão pipa tem sido feito de forma adequada”, relatou Maria Edna, de Lamarão.  Já o agente de saúde Isaurino Freitas, que trabalha e mora no Boqueirão, narrou sua saga para garantir o funcionamento do posto de saúde local: “Para a comunidade não ficar sem água, eu tenho que carregar. Água é saúde. Espero que a Defensoria Pública com essa audiência possa nos ajudar”, disse.

Outras demandas

No que toca à saúde, algumas comunidades não contam com postos de saúde e onde há unidades os relatos dão conta de condições insatisfatórias. Há frequente ausência de itens e remédios essenciais e baixa disponibilidade de horários de atendimento pelos profissionais em relação à demanda. Problemas análogos são vividos no âmbito da educação. Há ausência de escolas em muitas comunidades, com dificuldades de acesso seja pela condição das estradas, seja pelo fornecimento insuficiente de transporte escolar. Além disso, as instituições de ensino sofrem com condições estruturais e materiais deficientes. 

Outra queixa constante é o acesso aos territórios, que por conta das condições das estradas às vezes torna-se inviável. “Crianças de menos de seis anos não estão indo para escola, pois não tem cuidadores nos ônibus, por exemplo. Além de que quando chove os pais tem que dar algum jeito de levar até a escola e na maioria das vezes não há como”, conta Sueli Moreira que andou 3 quilômetros de lama para sair de Laranjeiras e acessar um transporte até a sede do município Vitória da Conquista.

Encaminhamentos

“Na audiência pública tivemos a presença de várias organizações do município se comprometendo em rever essa situação das comunidades quilombolas, que são gritantes. A Ouvidoria tem toda essa parceria, como é um braço da Defensoria, e trabalha com a sociedade civil. Nós vamos finalizar essa ata e encaminhar através de ofício para os órgãos presentes e também para os que não vieram, para que eles possam se comprometer em dar o retorno para a comunidade das demandas que foram apresentadas”, explica a ouvidora adjunta da DPE/BA Zene Natividade.

Intermediando o evento, o defensor público federal Vladmir Correia também saiu satisfeito com a mobilização. “Eu achei muito importante essa audiência pública com a presença maciça desses órgãos, pois denota um grande sucesso dessa audiência e vamos a partir daqui nos próximos encaminhamentos nos reunir com eles na tentativa de resolver esse problema. Iremos fazer um relatório com as comunidades que têm problemas nos abastecimentos de água e quais são esses problemas para verificar qual órgão estadual, federal, ou municipal é responsável e sentar com cada um deles para traçar metas e projetos para que dentro de um futuro próximo a gente consiga levar água a essa população”.

Participaram também da audiência o gerente regional da Embasa, Manuel Marques; o coordenador municipal da Promoção de Igualdade Racial, Ricardo Oliveira; o superintendente da Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (Sihs), Ricardo Maynart; os vereadores de Vitória da Conquista Alexandre Xandó, Luciano Gomes e Williams Muniz; o secretário municipal de Desenvolvimento Rural Luiz Paulo Souza Santos, a coordenadora municipal de Abastecimento de Água. Joana D’arc; o engenheiro da Defesa Civil de Vitória da Conquista, João Gabriel Santos; e o ex-deputado estadual e integrante do grupo de trabalho de Direitos Humanos da equipe de transição do governo federal, Luiz Alberto, o representante da Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia – AGERSA  Maico Camerino,  o chefe de gabinete do Inema Welton Luis Costa Rocha; a gerente de infraestrutura viária de Vitória da Conquista da SEINFRA Manuela Cruzes de Andrade; o gerente regional da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia – CERB Luis Alberto Sellmann Moreira ;