COMUNICAÇÃO

Defensoria apresenta propostas para mudanças na legislação penal em audiência de Comissão para Combate ao Racismo da Câmara Federal

25/03/2021 20:08 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Defensoria apresentou memorial de sugestões à Comissão. Entre as propostas apontadas está a necessidade de criação de ouvidorias externas em todos os órgãos do sistema de justiça e alternativas ao encarceramento

Comprometida com a luta antirracista, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA participou nesta quinta-feira, 25, da audiência pública “Legislação criminal brasileira e racismo”. Promovida pela pela Câmara dos Deputados por meio da Comissão de Juristas/Combate ao Racismo Estrutural, criada para oferecer propostas que aprimorem as leis brasileiras quanto ao tema, a audiência ofereceu oportunidade para que renomadas entidades e instituições públicas apresentassem sugestões com este objetivo para as normas penais brasileiras.

Criada em dezembro de 2020 e implementada em janeiro deste ano, a Comissão surgiu como desdobramento das apurações acerca da morte de João Alberto Freitas. Homem negro, João morreu aos 40 anos vítima de espancamento por parte de seguranças particulares de uma filial de uma rede de supermercados na cidade de Porto Alegre, em novembro do ano passado.

Representada pela defensora pública Vanessa Nunes, integrante do Grupo de Trabalho para Igualdade Racial da Defensoria, a DPE/BA apresentou um memorial de sugestões à Comissão. Entre as propostas levadas à Comissão, Vanessa Nunes destacou a necessidade de criação de ouvidorias externas em todos os órgãos do sistema de justiça como instrumento de democratização do mesmo.

Ouvidorias externas

“Momentos como esta audiência, com coleta de sugestões, precisam se tornar perenes no modelo de gestão da justiça criminal. Criar ouvidorias externas, eleitas por representação popular e ocupadas por pessoas que não sejam integrantes das carreiras do sistema, permite construir uma janela de representação dentro deste. Nós sofremos uma baixa representatividade de pessoas negras nas instituições de justiça e isso se reflete na falta de priorização de pautas da população negra na organização deste mesmo sistema”, sustentou Vanessa Nunes.

A defensora exemplificou a situação apontando que as metas nacionais do Conselho Nacional de Justiça, publicadas desde 2009, nunca ofereceram nenhuma meta específica que abordasse algum tema vital de interesse da população negra. “Essa falta de priorização de pautas, na nossa avaliação, decorre da ausência de pessoas negras nas instâncias de gestão do sistema de justiça criminal”, acrescentou.

Combate ao encarceramento

Outra proposta levada pela DPE/BA à audiência foi pela necessidade de ampliar as possibilidades de prisão domiciliar e outras formas de pena que não a custódia em presídio. A proposição vai ao encontro do combate ao encarceramento em massa que, por conta do viés racista com que se organiza historicamente a sociedade brasileira, atinge majoritariamente a população negra.

Nesse sentido, a defensora pública recordou que o Supremo Tribunal Federal – STF já reconheceu, desde 2015, a condição inconstitucional do sistema prisional brasileiro por violar inúmeros direitos que ferem a dignidade da pessoa humana. Como assinalou a defensora pública baiana, este reconhecimento do STF, no entanto, não está sendo traduzido em medidas de gestão que reduzam o encarceramento no país.

“Assim, na linha do que também foi decidido pelo STF, desta vez quanto à internação de jovens adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, vinculando a internação à existência efetiva de vagas, nós defendemos que a execução penal seja alterada para que só haja novos presos se houver vaga efetiva. Só assim será possível deixar de naturalizar o estado penitenciário no país e vencer a situação de incoerência jurídica que hoje vivemos. Para isso é preciso ampliar as possibilidades de prisão domiciliar e outras modalidades de pena”, registrou Vanessa Nunes.

Direito dos presos à saúde

Por fim, entre as propostas da Defensoria elencadas por Vanessa Nunes durante a audiência, esteve a inclusão na legislação penal da obrigatoriedade dos presídios gerarem relatórios periódicos indicando o acesso, ou ausência de acesso, aos serviços de saúde em suas unidades. Estes relatórios teriam que ser sempre enviados para os órgãos do sistema de justiça, para realização de controle e efetiva garantia das pessoas presas ao direito à saúde.

“A situação crítica que vive a sociedade brasileira hoje [se referindo ao contexto da pandemia da covid-19], não é novidade quando a gente pensa nas pessoas que estão encarceradas e dependem do acesso à saúde pela atuação dos órgãos, já que não podem tomar providências por si mesmas, e não tem este acesso respeitado. Sem deixar de mencionar a questão da adequação em saúde para que as pessoas internadas no sistema prisional que sofram de algum transtorno mental recebam o tratamento previsto em lei no que concerne aos seus casos”, afirmou Vanessa Nunes.

A Comissão

Presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves e com relatoria do advogado e sociólogo Sílvio de Almeida, a Comissão de Juristas/Combate ao Racismo Estrutural reúne 20 integrantes entre juízes e juízas negros, desembargadores, procuradores da república, promotores, professores de direito, pesquisadores e escritores e terá, a princípio, até 120 dias para produzir seu relatório.

A Comissão pretende dotar o sistema jurídico de instrumentos para combater problemas como o encarceramento em massa da população negra, a violência das abordagens policiais, além de medidas de combate ao racismo institucional nos setores privado e público e questões relativas aos direitos sociais, econômicos, tributários e financeiros em transversalidade com a questão racial.