COMUNICAÇÃO

Censo da Defensoria revela machismo estrutural; um quarto dos integrantes disse ter sido vítima de machismo na Instituição

09/07/2021 16:25 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496
Segunda etapa do Censo da Defensoria Pública da Bahia foi lançada nesta sexta-feira, 9
Segunda etapa do Censo da Defensoria Pública da Bahia foi lançada nesta sexta-feira, 9

Segunda etapa do Censo abordou as relações de gênero dentro e fora do ambiente de trabalho. Foram coletados dados ligados à percepção de machismo, ocupação nos cargos de poder, impactos no desempenho profissional, entre outros

A segunda etapa do Censo da Defensoria baiana revela machismo estrutural: mais de um quarto dos integrantes da Defensoria Pública da Bahia (25,7%) disse ter sido vítima de machismo na Instituição. Desses, 95% são mulheres, dentre as quais 40% são defensoras públicas. Da mesma forma, 25,7% responderam ter presenciado cenas de machismo no ambiente de trabalho e 174 pessoas (94% mulheres)  já foram vítimas de comentários inapropriados ou ofensivos em razão do gênero.  Isso tudo apesar de 87,2% dos integrantes do órgão terem afirmado que não se consideram machistas.

Essas e outras contradições, além de diversos dados de grande relevância para a busca de um melhor ambiente de trabalho, foram reveladas em um estudo completo com foco na dinâmica das relações de gênero. A segunda etapa do I Censo da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA foi lançada nesta sexta-feira, 9. O documento contou com as respostas de 962 pessoas, entre defensoras e defensores públicos, servidoras e servidores, estagiárias e estagiários. O questionário recebeu respostas no período compreendido entre 22/03/2021 a 09/04/2021.

O objetivo foi captar a dinâmica das relações de gênero internamente, a partir de questionamentos sobre maternidade, participação em trabalhos domésticos, relações profissionais, ocupação de cargos de poder, interações entre os integrantes da instituição entre si e entre integrantes de outros órgãos do sistema de Justiça. Além, claro, de compreensões acerca do machismo.

Defensora pública geral em exercício, Firmiane Venâncio, destaca que se trata de um documento que ultrapassa o caráter informativo e busca propor uma política de equidade de gênero. O censo, afirma Firmiane, é o primeiro passo para educar a equipe da Defensoria a respeito da existência de violências muitas vezes invisibilizadas ou naturalizadas na sociedade. Violências essas que costumam ser reproduzidas no ambiente de trabalho.

“É uma atitude de extrema coragem da Defensoria fazer um Censo, pois sabemos que as relações de gênero na nossa sociedade são desiguais, a igualdade prevista na lei infelizmente não se constata no cotidiano. É um exercício muito importante de autoconhecimento institucional, de não ter medo das suas fragilidades, nem do que pode ser desconhecido. Ele nos permite aprimorar a nossa estrutura, diminuir as distâncias existentes entre os membros, além de pensar e propor uma política de equidade de gênero na Defensoria”, afirmou.

Os dados do censo revelaram que as mulheres são maioria entre as pessoas que testemunharam (74%) ou foram alvo do machismo (95%). Neste último caso, o censo mostrou que os autores do machismo foram defensores públicos (52%) seguidos de usuários do sistema (48,2%). Não presenciaram machismo na Instituição, bem como nunca foram vítimas desta situação, 74,3% das pessoas .

Apenas 8% revelou rir de piadas machistas, sendo 72,6% das respostas positivas dadas por homens. Para 61,5% dos entrevistados, o machismo não é um problema individual, de falta de bom senso. Ao contrário, 88,6% afirmou ser decorrente de papeis sociais atribuídos a homens e mulheres e manifestados ainda que não haja intenção.

Impactos do gênero no exercício da profissão

Mesa institucional do evento virtual, realizado nesta sext-feira, 9, foi composta pela defensora pública geral em exercício, Firmiane Venâncio; pela ouvidora-geral da DPE/BA, Sirlene Assis; e pela defensora pública Lavínie Eloah Cerqueira Pinho, diretora-secretária da Adep Bahia, que representou o presidente da Adep Bahia, o defensor público Igor Raphael de Novaes

Na Defensoria, a maioria das pessoas (92,2%) considera importante a participação de mulheres em cargos eletivos e de direção e, sobre a distribuição dos cargos de poder entre os gêneros, 49,2% acredita que há igual proporção. Diversas situações hipotéticas no ambiente de trabalho foram apresentadas às pessoas entrevistadas, que puderam escolher mais de uma opção. Já se sentiram desconfortáveis em algum ambiente 48,6% das mulheres e 32,65% dos homens; já tiveram sua credibilidade e competência questionada 39% das mulheres e 25,5% dos homens, além de já terem se sentido ameaçadas no exercício da profissão 13,7% das mulheres e 9,7% dos homens.

Em geral, não sofreram violência física 93,1% das pessoas, mas o recorte de gênero mostra que 7,1% dos homens já foram vítimas nestas situações e, entre as mulheres, 6,3%. A maior prevalência de mulheres vítimas de violência dessa natureza é entre as estagiárias, as mais jovens dentre as entrevistadas. A maioria diz que nunca foi vítima de abuso de autoridade (71,7%).

“Um ponto muito importante na questão da violência de gênero é que quem é alvo desta situação não reconhece que está sofrendo. Ela sente incômodos e também mal estar, mas não consegue se reconhecer como uma vítima por estar inserida na sociedade patriarcal”, destacou a defensora pública Luanna Nathalia Lyra, titular da 1ª DP de Itabuna, de Defesa da Mulher, que está afastada para exercer a coordenação da 4ª Regional da Defensoria.

As mulheres correspondem a 82,3% das pessoas que, sim, percebem que o gênero dificulta o exercício da profissão e equivalem a 91,89% entre as que acreditam que a sua vida pessoal é mais afetada pelo trabalho. Já 86% dos entrevistados não precisaram abrir mão de algum trabalho ou função de confiança por razões familiares, mas entre quem afirmou positivamente houve 15,7% de mulheres e 11,7% de homens. Em todas as categorias a responsabilidade sobre o trabalho doméstico recai majoritariamente sobre as mulheres.

Em razão do gênero e no ambiente de trabalho, já foram vítimas de comentários inapropriados ou ofensivos à sua pessoa, atitudes ou vida privada 174 pessoas. Destas, 94,2% eram mulheres, sendo as defensoras públicas a maioria (40,3%). Já sofreram cantadas insistentes ou comentários desrespeitosos de cunho sexual 158 pessoas (16,5%), sendo mulheres o equivalente a 90,5%. Houve 24,8% de respostas positivas para a pergunta sobre ter sido vítima de assédio moral.

“Isso mostra que os corpos das mulheres são considerados de domínio público, como se desse o direito às pessoas de tecerem comentários sobre a vida privada e as atitudes das mulheres”, explica a coordenadora de Direitos Humanos da Defensoria, Lívia Almeida.

Questionados se alguém de outro gênero já quis explicar algo óbvio, os homens responderam positivamente em 15,6% dos casos e mulheres, 36,8%, com destaque para defensoras públicas (41,7%) e estagiárias (35,3%). No ambiente de trabalho, 214 (22%) pessoas afirmaram que já deixaram de concluir a fala ou raciocínio por interrupção de pessoa de outro gênero, sendo 78% mulheres. Em 82,2% das respostas foi declarado que, não, uma pessoa de outro gênero nunca havia se apropriado e levado crédito por uma ideia da pessoa entrevistada, mas no recorte de gênero as mulheres responderam sim em 19,4% das situações e os homens em 13,2%.

Sobre este ponto, Lívia Almeida estabeleceu uma comparação com o pequeno número de respostas positivas dadas ao questionamento sobre ter sido vítima de machismo na Instituição. “Quando a gente analisa os dados relativos às violências simbólicas, o número é muito maior. É um indício de que as pessoas não compreendem que aquelas violências simbólicas são de fato uma forma de machismo, de violência contra a mulher”.

O censo também traz dados gerais de gênero, cor e formação. De uma forma geral, mulheres são maioria: defensoras públicas são 62,6% do seu grupo, seguidas pelas servidoras (58,3%) e estagiárias (56,9%). Também são maioria as pessoas solteiras (53,7%) e sem filhos (61,7%), de cor preta ou parda (44,9%), que contribuem economicamente com membros da família (62%). Em termos de escolaridade, a maior parte da equipe tem especialização completa (29,3%), mas as mulheres apresentam maior nível de formação: 72,5% possuem o Ensino Superior completo, enquanto entre homens esse índice chega a 55,9%.

Pesquisas estratégicas

Os dados foram coletados virtualmente entre 22 de março e 09 de abril, por meio de Formulário do Google, em uma produção que envolveu o Gabinete do Defensor-Geral, a Assessoria de Comunicação, a Assessoria Especial de Pesquisas Estratégicas e a Especializada de Direitos Humanos.

O relatório foi produzido pela Assessoria de Gabinete para Pesquisas Estratégicas da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, liderada pela defensora pública Fernanda Nunes Morais da Silva, com participação de Iolanda Carvalho de Pinho e Henrique Breda Foltz Cavalcanti, servidores, e Nalessa Paraízo dos Santos e Francisco Argeu Lopes de Oliveira Júnior, estagiários.

Para a defensora pública Fernanda Nunes Morais da Silva, a análise dos dados permite concluir que as percepções e relações internas de gênero não são homogêneas na Defensoria. Se por um lado, não é possível realizar afirmações taxativas, os dados fornecem caminhos valiosos para desenhar estratégias de enfrentamento do machismo estrutural.

“O propósito institucional de autoconhecimento que se concretiza a partir da iniciativa de se fazer um censo visa à construção de um ambiente em que diferenças sejam respeitadas porque também dessa forma é possível viabilizar um atendimento de excelência ao nosso público-alvo, não apenas no que tange à qualidade técnica, mas também sob o ponto de vista do respeito e proteção de direitos humanos”, afirmou Fernanda Morais.

Lançamento ao vivo

A divulgação desta etapa da pesquisa foi realizada ao vivo, nesta sexta-feira, 9, em live do programa Em Pauta da Defensoria transmitido pelo canal da instituição no YouTube e nas demais redes sociais. Também participaram do evento de lançamento a ouvidora-geral da Defensoria Pública, Sirlene Assis, e representando o presidente da Adep/BA e defensor público Igor Raphael de Novaes, a defensora pública e diretora secretária da Adep/BA, Lavinie Eloah Cerqueira Pinho.

 

A II etapa do Censo da DPE/BA já está disponível no site da instituição, acesse aqui.