COMUNICAÇÃO

CAIRU – Visita técnica com presença da Defensoria verifica violações de direitos em comunidade quilombola de Garapuá

03/08/2021 16:17 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Comunidade quilombola tem sido impedida de transitar em áreas cercadas e vegetação de mata atlântica vem sendo desmatada

Para verificar denúncias de violações de direitos, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA e sua Ouvidoria Cidadã participaram de visita técnica com diversos órgãos e instituições públicas à comunidade quilombola de Garapuá no município de Cairu, a cerca de 175 km da capital baiana.

Localizado na Ilha de Tinharé, o povoado enfrenta, entre outros problemas, uma disputa judicial movida pela HCMAX Empreender Construtora e Incorporadora LTDA que reivindica propriedade sobre grande área e ingressou com uma ação de reintegração de posse na Justiça Estadual.

Com cerca de 1.200 moradores, a comunidade quilombola tem registro da Fundação Palmares desde 2020 e vive primordialmente do extrativismo de baixo impacto, principalmente, da pesca de peixes e mariscos. Entre as denúncias apresentadas ao Grupo de Trabalho Interinstitucional constituído após iniciativa da Ouvidoria Cidadã da Defensoria, sobressaíram-se questões relativas ao deslocamento no território e ao desmatamento na região.

“Garapuá está sendo toda cercada. Exceto pela rua principal, nós não temos mais acesso às praias pelos caminhos tradicionais que utilizávamos. Há seguranças armados nos terrenos cercados. E para quê? Para a gente não ter acesso à praia? Isto no nosso próprio território! Estão cercando até os manguezais. O pai de família que vai pescar ou catar caranguejo tem que passar por baixo de arame”, relata Úrsula*, moradora e integrante da Associação de Moradores e Amigos de Garapuá.

Além disso, a visita técnica na última terça-feira, 27, pode constatar a supressão de mata atlântica, restinga e manguezais, na região que é protegida como Área de Proteção Ambiental [Decreto Estadual n.º 1.240, publicado em 1994] com pontos de queimadas encontrados em fazendas que vêm se implantando na localidade.

Em momento de escuta à comunidade, os moradores relataram ao Grupo de Trabalho Interinstitucional que cada dia mais as áreas de pesca, plantio e extrativismo, além das trilhas e dos espaços de lazer da comunidade estão virando fazendas e loteamentos urbanos para futuros empreendimentos de alta renda.

Um entre os caminhos tradicionais cercados

“Dizem que estas fazendas pertencem a grandes empresários, a maioria de outros estados, gente que nunca nem vimos aqui. Já os loteamentos são para quem tem dinheiro. Se nós que somos nativos não lutarmos, vamos ficar sem sequer um pedaço de terra para nossa moradia e a de nossos filhos. Eles vão ser donos de tudo, e nós, no máximo, vamos lavar o banheiro deles”, comentou Beatriz*, moradora do povoado.

Para a ouvidora-geral da Defensoria, Sirlene Assis, a comunidade deve seguir organizada para reivindicar seus direitos. “A colonização e a escravidão no Brasil deixaram um legado de exclusão do acesso a direitos que precisa ser reparado. Um destes é justamente o direito à terra e ao território das comunidades tradicionais. É fundamental que o Estado brasileiro cumpra com seu dever”, argumentou.

Conflito fundiário

Em fevereiro deste ano, após recurso movido pela DPE/BA, uma liminar que determinava a reintegração de posse em favor da construtora HCMAX foi revogada em caráter definitivo (vinha suspensa em razão da pandemia da covid-19) em decisão unânime dos desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

A defensora pública estadual Jeanne Carvalho, que fez parte da visita técnica e acompanha o processo que requer reintegração de posse, explica que a comunidade está sofrendo com a especulação imobiliária com a chegada de diversos empreendimentos imobiliários que têm reivindicado a propriedade das terras, no entanto, todo o terreno é de propriedade da União.

“É aguardada para breve uma visita técnica ao local a ser realizada pela 2ª Vara Cível de Valença para dar andamento ao processo e participaremos. A alegação de propriedade da empresa é mais que questionável, já que ilha, por não ser sede de município, é propriedade da União. Isso de acordo com o texto da própria Constituição. Então, não existe propriedade sobre a área, o que pode existir é um Termo de Autorização de Uso Sustentável, uma concessão de uso. A comunidade quilombola, inclusive já requereu este termo”, explica Jeanne Carvalho.

Presente à visita técnica, o defensor público federal Vladimir Correia também destacou que as ilhas de Tinharé e Boipeba são terras públicas da União e que devem ser destinadas, prioritariamente, para a preservação ambiental e para a garantia dos espaços de uso tradicional das comunidades pesqueiras, extrativistas e quilombolas.

Para Úrsula, a situação envolve um conflito sobre a própria identidade e modo de viver da comunidade quilombola. “A partir do momento de que nos chamam invasores sobre o que é nosso, é muito complicado. Nós não invadimos nada. Toda nossa história e vida foi aqui dentro. Minha avó nasceu e foi criada aqui dentro. É complicado lidar com esta contestação de nossa identidade. Com a negação de que somos uma comunidade remanescente quilombola e, agora, que esta área seria particular de alguns”, apontou.

Grupo Interinstitucional

Além da DPE/BA e sua Ouvidoria, integram o Grupo de Trabalho Interinstitucional, com o objetivo de potencializar a defesa dos direitos ambientais e territoriais comunitários no Baixo Sul da Bahia, a Defensoria Pública da União – DPU, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado – INEMA, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia – CDH/ALBA, a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI, a Universidade do Estado da Bahia – UNEB, o Instituto Federal Baiano – IF/Baiano, a União de Negros e Negras Pela Igualdade – UNEGRO e o Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP.

As situações relatadas, observadas e verificadas deverão agora ser objeto de investigação por parte dos órgãos que participaram da visita técnica. Caberá a cada um deles, dentro de suas competências e atribuições, adotar as medidas para impedir as violações de direitos ambientais, humanos, culturais e territoriais da comunidade. O Grupo de Trabalho Interinstitucional planeja realizar outras visitas integradas tanto à comunidade de Garapuá, quanto em outras comunidades do Baixo Sul.

*nomes fictícios para preservar a identidade