COMUNICAÇÃO

Após ação da Defensoria, mulher trans consegue mudança de tipo de pena e mesmo tratamento destinado a mulheres cis

19/03/2021 15:44 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352 | Foto: Carol Garcia - Secult/Bahia

Condenada ao semiaberto, presa cumprirá prisão domiciliar já que presídio feminino da capital só é adequado para presas em regime fechado

“Tinha medo de acabar parando no presídio masculino. Muitas amigas minhas tinham passado por isso antes e as experiências que contaram não eram boas. Era muita perturbação, ainda mais para mim que iria para o presídio pela primeira vez. Agora, estou muito feliz que vou poder cumprir a pena em casa”, diz Carla*, mulher trans, beneficiada por ação da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA atendida pela 1° Vara de Execuções Penais de Salvador.

Na ação, a DPE/BA sustentou que na impossibilidade de cumprir em estabelecimento adequado o regime semiaberto a que fora sentenciada, já que o Conjunto Penal Feminino de Salvador é compatível apenas para custodiadas em regime fechado, Carla tinha direito a mudança para prisão domiciliar. Esta mudança no tipo de modalidade da pena já é comum para as mulheres cis, aquelas que reconhecem sua identidade de gênero em correspondência com seu sexo biológico.

Se reconhecendo como mulher trans desde os 20 anos, quando deixou a casa da mãe por conta do preconceito do padrasto, Carla, hoje com 42 anos, nunca readequou seu registro de identidade. Presa para cumprir sua sentença em meados de fevereiro deste ano, ela passou os primeiros nove dias de sua prisão custodiada na Delegacia de Furtos e Roubos.

“Lá, além de dividir a cela com outras pessoas, todos homens, cheguei a ser muito hostilizada. Só quando fui transferida para o COP [Centro de Observação Penal], onde estive nos últimos quinze dias numa cela separada, é que sinto que fui devidamente respeitada. Agora, que obtive o direito de cumprir pena em casa, embora estejamos em lockdown e tenha muita coisa que não possa fazer, sinto que é uma maravilha”, comenta Carla, que está em casa desde esta sexta-feira, 12.

De acordo com a defensora pública que atua no Conjunto Penal Feminino e é autora da ação, Rebeca Sampaio Lima, foi garantido a Carla, que como mulher trans pertence ao grupo vulnerável da população LGBTQIA+, os mesmos direitos e tratamento dado à uma mulher cis.

“Importante destacar nesse processo é que não foi questionado se havia a mudança oficial do nome de Carla ou não, se havia mudança de aspectos físicos da assistida ou não, nada disso foi indagado. Bastou o termo de declaração dela colhido por nós, o que está em absoluta observância com o que estabelece resolução do Conselho Nacional de Justiça”, explica Rebeca Sampaio Lima.

Para a defensora pública e coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, Lívia Almeida, a decisão é relevante porque segue em concordância com o respeito à identidade de gênero. “É fundamental destacar também, para a comunidade trans, que a Defensoria está atuante e comprometida em fazer valer seus direitos também em matéria de execução penal”, acrescenta Lívia.

Sistema prisional

Em março de 2020, a Defensoria enviou à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia – Seap, ofício com recomendações sobre o acolhimento de travestis, mulheres e homens trans nas unidades prisionais do estado.

Pontuando diversos marcos legais, entre eles decisão liminar do Supremo Tribunal Federal que determinou que pessoas trans têm o direito a escolher pelo estabelecimento prisional, se feminino ou masculino, a Defensoria recomendou que a Seap observe este dispositivo.

Além disso, a Defensoria preveniu a Seap que observe e assegure a estas pessoas custodiadas o uso do nome social com que se identificam, além do acesso legalmente garantido à manutenção do tratamento hormonal, com garantia de acompanhamento de saúde específico. A DPE/BA recomendou ainda que para observar estas recomendações a Seap deve buscar realizar cursos de capacitação continuada de seus profissionais quanto ao tema e se colocou à disposição para auxiliar neste processo.

“A Defensoria, o poder judiciário, o sistema prisional, todos devem respeitar a identidade de gênero das pessoas trans. O sistema prisional, no entanto, ainda não está totalmente preparado e habilitado para conceder o tratamento que respeite a dignidade das pessoas trans”, assinala Lívia Almeida.

*nome fictício para preservar a identidade da fonte