Ouvidoria Cidadã - Defensoria Pública da Bahia

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Hédio Junior: “Não há democracia sem liberdade de crença”.

As situações de intolerância e racismo religioso na Bahia e no Brasil são cada vez mais crescentes,  com vários processos judiciais que culminam em criminalização de representantes de terreiros e até mesmo com a proibição de rituais, a exemplo do abate religioso, que tramita no Supremo Tribunal Federal – STF. “Não há democracia sem liberdade de crença e quando o Estado impõe discriminação e sofrimento a um brasileiro em razão da sua crença ou descrença”, criticou o doutor em direito e advogado dessas religiões no STF, Hédio Silva Jr., na conferência promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, através da sua Ouvidoria Cidadã.

Em um auditório lotado por representantes de terreiros e de entidades e órgãos de atuam na defesa dos direitos humanos, e por adeptos das religiões afro-brasileiras, Hédio Silva Jr., apontou que essas religiões enfrentam o desafio de afirmação dos seus direitos, para fazer com que a lei saia do papel, seja respeitada na prática e no cotidiano. Entre este desafio está a necessidade de se institucionalizar como religião, de buscar apoio e alianças com segmentos de outras religiões que não as atacam. “O principal desafio das religiões afro-brasileiras é fazer com que a liberdade de crença seja uma coisa, concretamente, exercida por todos os brasileiros no cotidiano”, afirmou.

Na opinião de Hédio Silva Jr., a Defensoria Pública tem um papel estratégico, por ter protagonismo importante no sistema de garantia de direitos:   “ A Defensoria, pela sua própria natureza, está muito em sintonia com essas novas demandas sociais, com essas novas dimensões da cidadania. Ela exerce essa escuta com os indivíduos, com os movimentos sociais. Sem a Defensoria Pública não conseguiremos dar o salto que precisamos para que a legislação seja alguma coisa que tangencie perceptivelmente no cotidiano do povo de axé”

A conferência foi transmitida ao vivo pela Live da Defensoria Pública e será disponibilizada na próxima semana no canal You Tube Defensoria Bahia. As fotos podem ser conferidas no Flickr a DPE/BA. Para compartilhamento nas redes sociais ou downloads, clique aqui.

Violação de direitos

O conferencista destacou que o momento é de mudança, de dimensões externa e interna. “Aprendemos há muito muito tempo que não basta o enunciado de direito. Não bastam cartas constitucionais progressistas, declarações de direitos. Há uma distância entre os enunciados e o cotidiano”, ressaltou Hédio Silva Jr.. Em sua opinião, essa tensão entre a beleza do enunciado teórico, a letra fria da lei, e o cotidiano de violação dos direitos que as religiões afro-brasileiras enfrentam tem como principal protagonista o coletivo. Os advogados têm um papel secundário neste embate. ” O coletivo, os ancestros, os que morreram, os que enlouqueceram é que tiveram um papel fundamental para a gente, em uma determinada conjuntura histórica para possamos dizer que queremos os mesmos direitos que todas as demais organizações religiosas usufruem”, explicou.

Em relação à violação de direitos, Hédio Silva Jr. exemplificou com o tempo de tramitação de uma ação impetrada contra a TV Record, que levou 14 anos na primeira instância. “Apenas 0,01% das ações duram esse tempo”, criticou. No ano passado a causa foi ganha na primeira instância e agora na segunda instância. “O TRF, através da sua 9ª turma, por unanimidade decidiu que a macumba terá tempo de 16 horas de resposta em horário nobre na Rede Record. O povo de Axé está aprendendo que tem que ir ao tribunal”, destacou.

Conhecedor das violações que têm que ser defendidas pelas religiões afro-brasileiras, o advogado alertou aos presentes que, para pensar em direitos, tem que pensar em alguns deveres. “Vamos ter que pensar que temos um conjunto de necessidade que vamos ter que resolver. Não basta ser uma grande religião, tem que parecer uma grande religião”, ressaltou Hédio Silva Jr., acrescentando que prefere burocratizar do que ver alguém pagar 16 anos na cadeia por preconceitos.

“O chamado é para que prestemos atenção a determinadas características que a nossa religião tem. A intolerância religiosa está se aprimorando. Temos que inventar novos mecanismos, novas narrativas”, conclamou o conferencista, ressaltando que não pode, enquanto advogado, ficar lidando com filosofia, pois os problemas são muito concretos.

Abate religioso

Tramita no Supremo Tribunal Federal recurso que objetiva a decisão de que o abate de animais em cultos de religiões de matriz africana não afronta a Constituição. O julgamento sobre o tema começou em 9 de agosto passado e foi interrompido após o ministro Alexandre de Moraes pedir vista. O STF tem dois votos favoráveis à manutenção do ritual religioso: do ministro (e relator) Marco Aurélio, e ministro Edson Fachin.

A discussão acontece no Recurso Extraordinário 494.601, apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça do RS que entendeu ser constitucional a lei estadual que determinou que o sacrifício dos animais nesses casos não infringe o Código Estadual de Proteção aos Animais.

Na sessão do STF o advogado Hédio Silva Jr., da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil, foi o mais enfático em defender a possibilidade de sacrificar animais em nome da fé: “Parece que a vida de galinha de macumba vale mais. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. Vida de preto não tem valor nenhum. Mas a galinha da religião de preto tem que ser radicalmente protegida”.

Conferência

A conferência teve a abertura de Gersonice Azevedo Brando – Ekedi Sinha, do Terreiro Casa Branca, primeira casa de candomblé aberta em Salvador, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan em 1986: “Temos sempre que agradecer a todos os ancestrais que historicamente passaram por tudo que sabemos e não perderam a sua fé, que nos deixaram esse legado. e nós também não podemos desistir”. Ekedi Sinha integra a Rede de Mulheres de Terreiros.

Vilma Reis, socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública, quem tem defendido os direitos dos povos de terreiro, agradeceu a todas as pessoas que participaram da atividade esclarecedora com o doutor Hédio Silva Jr., mesmo sendo em uma sexta-feira à noite. Informou que a cartilha “Direitos das Religiões Afro-brasileiras” da Defensoria Pública da Bahia está à disposição no site da Instituição e que o link também foi disponibilizado nas redes sociais @DefensoriaBahia (Facebook, Instagram e Twitter).

Entre as organizações presentes estavam representantes da Articulação Nacional do Conselho Nacional de Pescadores e Pescadoras, da Rede Nacional de Consultórios na rua, da Associação Nacional de Advogados e advogadas afrodescendentes, da Secretária de Promoção da Igualdade – Sepromi, do Museu Afro-brasileiro da UFBA, de terreiros de Salvador, da Secretaria de Cultura do Estado, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado, da Igreja Batista de Nazaré, da Associação dos Desvalidos, da Irmandade do Rosário dos homens pretos (Ordem Terceira dos Homens Pretos da Bahia e do programa Corra para o Abraço. A defensora pública federal, Charlene Borges, representou a defensoria pública da União. A diretora da Escola Superior da Defensoria, Firmiane Venâncio, e a ex-ouvidora da DPE/BA, Tânia Palma, também estiveram presentes à conferência.