COMUNICAÇÃO

Mesa sobre violência contra população negra nas periferias urbanas encerra Seminário da Ouvidoria da Defensoria baiana

10/09/2020 15:51 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Omissões e questões históricas foram destacadas como estruturantes para compreender a violência que hoje segue sofrendo a população negra no Brasil

A violência que no Brasil atinge especialmente a população negra das periferias urbanas foi o tema da última roda de conversa do Seminário “O Direito à Cidade a partir de uma política antirracista”, promovido pela Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA nesta quarta-feira, 9.

Mediado pela geografa e integrante fundadora do Coletivo Guardiões da Área de Proteção Ambiental Bacia do Cobre/São Bartolomeu, Débora Porciúncula, a conversa se iniciou com a exposição da defensora pública e membro do Grupo de Trabalho de Igualdade Racial da DPE/BA, Jamara Saldanha. A defensora destacou a violência que a população negra hoje vive como resultado de um processo construído e estruturado historicamente.

“Um marco deste processo foi a ausência de políticas públicas para acolher os negros quando do fim do período escravagista no país. Não tiveram direito à saúde, à educação, não tiveram direito à terra. Foram diversos direitos negados à população negra. Para não falar de diversas leis que foram criadas para criminalizar a cultura e costumes da população negra. Instala-se a partir dali o que se pode chamar de ‘suspeição generalizada’ da pele negra. Por ser negra a pessoa já é assumida como suspeita mesmo pelas autoridades governamentais”, assinalou Saldanha.

Destacando o lugar da cidade como espaço político/jurídico, o professor de Direito e coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia, Samuel Vida, pontuou que as cidades são os espaços onde se maximizam as distinções, hierarquia, opressões e controles sociais.

“Não é possível compreender as cidades sem a compreensão das relações raciais desiguais, violentas, assimétricas. Um dos eixos disso é o processo de montagem do ambiente para operação desses sujeitos tornados desiguais. Trata-se da prestação desigual dos bens e serviços pelo Estado. Basta ver a distribuição do acesso dos equipamentos públicos para se constatar rapidamente esta arquitetura da desigualdade racial. Arquitetura que produz uma naturalização desta desigualdade e afirma cotidianamente uma noção de inferioridade que deve ser assimilada pelos ‘dominados’ racialmente”, observou Samuel Vida.

Para a advogada, feminista e fundadora da ONG TamoJuntas, Laina Crisóstomo, é preciso recordar que várias leis que criminalizavam majoritariamente a população negra como a lei de vadiagem e a lei de mendigagem foram revogadas só há pouco tempo atrás. “A própria abolição [da escravatura] não foi abolicionista. Não há trabalho em seguida para os negros que são substituídos por europeus”, pontuou.

Laina Crisóstomo ainda pontou recortes da questão do racismo com questões de gênero. “Por exemplo, mulheres negras são as que mais encontram dificuldades em acessar medidas protetivas, em verem casos de feminicídios serem julgados. Mulheres negras são as que mais morrem em razão da violência obstétrica. Precisamos fazer um debate estrutural, não dá para falar sobre violência urbana e racismo, sem trazer os outros componentes de perspectivas que nos afetam. Questões de geração, de intolerância religiosa, entre outras”, destacou.

Articuladora nacional de juventude da Visão Mundial/MJPOP Brasil, Tatiane dos Anjos, comentou sobre a importância de destacar a organização dos jovens para combater as desigualdades sociais e o racismo. “Por meio da arte, da cultura, a juventude organizada pode modificar este cenário de violência. Aqui na Cidade Baixa em Salvador, nós atuamos com formação política cidadã para estes jovens efetivarem a construção de um projeto de vida que escape das estatística da violência”, pontou.

Já o cientista político e militante da Coordenação Nacional de Entidades Negras , Roque Peixoto, abordou dados sobre violência que atingem os negros de modo desigual em comparação a brancos no Brasil e fez duras críticas à ação da Polícia Militar por sua atuação hostil e desigual contra à população negra no suposto combate à violência. “Para além da questão da gentrificação e da segregação racial observada na composição da população nos bairros, é preciso destacar que é nos bairros com hegemonia da população negra que há uma generalização da violência por atuação da própria polícia”, realçou.

MESA DE ENCERRAMENTO

Ao fim da quarta mesa, foi realizada uma mesa de encerramento com a participação da ouvidora-geral da Defensoria, Sirlene Assis, e alguns dos convidados que integraram a programação do Seminário com leitura de texto sobre tema do evento virtual de autoria do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, Fábio Velame.

Todas as rodas do seminário estarão disponíveis no canal do Youtube da Defensoria e os participantes que acompanharam a programação e se manifestaram nos canais de transmissão e informara seus e-mails receberam posteriormente certificado de participação.